sexta-feira, 28 de junho de 2013

O retorno

Confesso que às vezes sou um tanto quanto repetitivo. Quando gosto de uma coisa, vejo e revejo, leio e releio, visito e revisito. E há mais ou menos quinze dias venho ouvindo e reouvindo o esperadíssimo álbum 13, do Black Sabbath. 

Óbvio que não devemos nos iludir quando uma banda de origem setentista retorna aos trabalhos com sua formação original. À exceção do baterista Bill Ward (magistralmente substituído por Brad Wilk, do Rage Againist The Machine), Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Geezer Butler tentam resgatar, com auxílio do aclamado produtor Rick Rubin, pelo menos um pouco do clima daquele áureo e distante tempo.

Paranoid Master Of Reality são, de longe, meus discos preferidos. Então, esperava encontrar um resquício que fosse de músicas como "Lord Of This World", "Sweet Leaf", e "Eletric Funeral" . Encontrei, para minha felicidade, muito mais do que isso, já que o disco revisita o stoner clássico, sem deixar de apresentar um som atual. Quando digo "atual", refiro-me à ausência da sujeira animalesca dos primeiros álbuns. Enfim, traços da contemporaneidade que não deturpam a qualidade desse novo álbum. Foi uma grande surpresa, também, encontrar nas faixas "End Of Beginning" e "Dear Father" a sonoridade de "Black Sabbath", antológica música do primeiro LP.

Fui um dos felizardos que conseguiram garantir ingresso para o show em São Paulo, no dia 11 de outubro. Ansiosamente espero por um show que mescle clássicos com músicas de 13 e mostre aos indies modernetes  de hoje o que é rock n' roll de verdade.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Má literatura de boa qualidade

Ele chegou ao trabalho particularmente eufórico naquele dia. Explicou-me o motivo de tal euforia, o que me levou a ser contagiado por aquela excitação, pois eu também já a havia vivenciado. Falamos sobre as personagens, acontecimentos, reviravoltas e cenas marcantes. Não falávamos sobre um filme ou capítulo de novela, não senhor. A pauta de nossa confabulação era o livro O caçador de pipas, best seller escrito por Khaled Hosseini.

Os intelectuais de plantão condenarão a obra por nós discutida, dizendo que se trata de má literatura, com baixo teor artístico, coisa para quem não quer pensar em nada. E não são apenas os cabeçudos pertencentes à alta academia que dessa maneira pensam. Há muitos graduandos que já se portam como repudiadores da literatura de massa, ou seja, uns chatos. Já dizia Rubem Fonseca, em O Caso Morel, seu primeiro romance (um best seller, na época em que foi lançado): Raymond Chandler é melhor que Dostoiévski, mas ninguém tem coragem de dizer isso.

Livros como O Código Da Vinci e Anjos e Demônios, de Dan Brown, e A menina que roubava livros, de Markus Zusak, já se tornaram clássicos entre os mais vendidos. Com narrativa rápida, quase policial, e temas que intrigam o leitor, são uma excelente porta de entrada para a leitura. Afinal, quem não se interessaria pelos segredos do Santo Graal e dos Illuminati, ou pelo fato de a própria Morte ser narradora de uma história contextualizada durante a Segunda Guerra Mundial? 

Muitas pessoas que não têm o hábito de ler reclamam da falta de empolgação com as obras escolhidas quando tentaram adquirir tal costume. Iniciaram suas jornadas, mas acabaram as abandonando antes de chegarem à metade, por acharem aquela atividade muito cansativa. A alta literatura, com o devido respeito, não é a melhor escolha, em sua grande maioria, para iniciados. A lista dos mais vendidos seria a melhor opção.

Em tempo: Brown acaba de lançar Inferno, que figura entre os mais vendidos desde que apareceu nas prateleiras. Eu e meu considerado colega já combinamos de ler a obra, para que mais debates acalorados aconteçam. Fica a dica para aqueles atrás de má literatura de boa qualidade.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A criminologia de Kendall

Quadrinhos mensais tendem a não manter a qualidade de suas histórias. É preciso muita criatividade da parte de roteiristas e desenhistas para manter em alta o nível de entretenimento. 

Editoras mainstream como DC Comics muitas vezes deixam seu público na mão nesse quesito, pois há um constante entra e sai de argumentistas, que muitas vezes deixam um arco pela metade.

Esse não parece ser o caso de "Aventuras de uma criminóloga", HQ italiana editada aqui no Brasil pela Mythos Editora, que tem como protagonista a charmosa detetive acadêmica Júlia Kendall. A revista chegou ao número cem em março deste ano e desde então tenho acompanhado as tramas complexas nas quais a criminóloga se envolve.

Os roteiros são escritos por Giancarlo Berardi, criador de Kendall e do clássico personagem western Ken Parker. As histórias são muito bem elaboradas, com narrativas paralelas que se entrelaçam no final. Os desfechos são empolgantes, dignos de grandes thrillers. E o fato de os quadrinhos serem em preto e branco traz todo o charme da pulp fiction.

Com o deturpado cenário caça-níquel das editoras americanas, "Aventuras de uma criminóloga" mostra-se a melhor saída. Na contramão dos super-heróis, Júlia Kandall não possui super-poderes. O que ela possui mesmo é astúcia.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Por que escrever?

Li um texto no qual um quadrinista (que não ganha a vida fazendo o que gosta, ou seja, histórias em quadrinhos) explicava o motivo pelo qual, quando tinha chance, pegava em sua caneta Bic e criava tiras, mesmo sem ganhar dinheiro nenhum por isso. O artigo escrito por Érico Assis, na verdade, mostrava uma série de depoimentos a respeito da nona arte, com o título de "Por que quadrinhos (3)?", no Blog da Companhia das Letras.

Foi inevitável o que ocorreu depois da leitura: peguei-me a indagar o mesmo, mas com relação à escrita desses pequenos textos que aqui publico. Já me perguntaram, quando digo que mantenho um blog, se recebia por isso. Óbvio que eu gostaria de ganhar a vida escrevendo, mas não seria apenas pelo dinheiro. 

Então porque, afinal, quando tenho um tempo livre, pego uma caneta ou lapiseira e um pedaço de papel para escrever textos que pouco serão lidos?

Escrevo, pura e simplesmente, porque me faz bem. 

Quando termino um texto, sobre qualquer assunto, seja ele extenso ou não, é como se eu chegasse à casa de minha mãe e a encontrasse me esperando com um abraço apertado e meu prato predileto à mesa. 

É como se eu achasse inesperadamente cinco reais esquecidos no bolso de uma calça quando achava que estava falido. 

É como se o São Paulo fizesse o gol do título aos quarenta e oito do segundo tempo, com dois jogadores a menos e fora de casa.

É como ouvir "When The Levee Breaks", do Led Zeppelin, no auge de uma bebedeira.

É como se, depois de um dia difícil, eu recebesse um beijo de minha namorada.

Com essas pequenas e poucas respostas, cheguei à conclusão de que sou escritor amador justamente por isso: porque amo esse ofício.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Prata da casa

Antonio Prata é um cronista e contista que escreve às quartas-feiras no caderno Cotidiano do jornal Folha de São Paulo. Para se destacar entre em um diário que tem entre seus colunistas nomes como Clóvis Rossi, Juca Kfouri, Tostão, Xico Sá, Dráuzio Varela, Álvaro Pereira Júnior, Michel Laub e Ferreira Gullar, é preciso mostrar um algo mais. Antonio mostra isso e vai além.

Todo meio de semana ele desperta a ansiosidade de cada vez mais leitores. Com notável maestria, faz uma interessante alternância de textos literários e jornalísticos, valendo-se de uma linguagem limpa e fluente, que torna a leitura muito prazerosa. Seus temas se relacionam com pequenos acontecimentos do cotidiano e grandes ocorrências relatadas na mídia. 

Seu texto "Recordação", no qual um taxista relata suas agruras amorosas a um passageiro desconhecido, é uma narrativa digna de muitas análises e releituras, dado o seu poder cativante. Em "Entre ou saia", relata com acidez e ironia o fato de um aluno do Colégio Bandeirantes ter sido impedido de entrar na instituição por estar vestido com uma saia. "A passeata", publicado ontem, traduz o sentimento de perplexidade que atinge todos os brasileiros diante da onda de protestos em andamento por todo o país. Afinal, o que está acontecendo? Além do aumento abusivo do passe de ônibus, quais são nossas causas? A corrupção? A Copa do Mundo? A Rede Globo? 

Por tratar de temas atuais com inteligência e ser bem articulado, Antonio atrai um publico mais jovem, identificado com a linguagem rápida das redes sociais. É um excelente modelo a ser seguido por aqueles que sonham em seguir a carreira jornalística ou para quem, pura e simplesmente, quer ler jornal e ter a sensação de que está lendo um livro.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Pela culatra

Frustração. Essa é a palavra que define o sentimento de quem escolhe o filme errado. Há muitas dúvidas com relação à sua escolha. Naquele dia, não se tem nada em mente. Percorre-se todas as prateleiras e seções da locadora. Nada. Até que aparece uma capa anunciando bons atores e diretor razoável. Diversão garantida?

De modo algum. Filmes policiais muitas vezes atuam como políticos: prometem, mas não cumprem. As sinopses, sempre bem elaboradas, atraem o espectador para uma armadilha. Essa emboscada visa roubar, em média, uma hora e trinta minutos que não voltam mais da vida daquele que está à procura de cenas com, socos, chutes, facadas, tiros e sangue.

Clássicos como Máquina Mortífera e Duro de Matar são modelos incontestáveis de bons filmes do gênero policialesco. Cumprem sua função, pois carregam uma grande dose de ação e humor. Esses longas são exclusivamente para entretenimento, não havendo espaço para reflexão. Quando o diretor resolve inserir uma carga dramática na história, geralmente não dá certo. A narrativa fica truncada, nada acontece, o filme cansa, os diálogos não fazem sentido.

Killshot - Tiro Certo é produzido por Lawrence Bender, produtor do clássico Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Além dele, Mickey Rourke (Sin City, Barfly), Joseph Gordon-Levitt (A Origem) e Rosario Dawson (À prova de morte) integram o elenco. Difícil imaginar que esse filme é ruim. Porém, o diretor John Madden conseguiu tal façanha.

Rourke interpreta Black Bird, um matador de aluguel indígena que se encrenca com a máfia. No meio do caminho, adota Richie Nix (Levitt) como parceiro e, depois de um assalto fracassado a uma imobiliária, passa a perseguir um casal sobrevivente que viu seu rosto. Com problemas conjugais, Wayne (Thomas Jane) e Carmen (Diane Lane) tornam-se o foco do thriller, impondo uma dramaticidade estranha à proposta policial da trama.

Depois de longos e intermináveis noventa e cinco minutos, tem-se a certeza de que Killshot é um tiro que, ao contrário de ser certeiro, na verdade saiu pela culatra.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fabulosos propagadores de lendas

Myilena Queiroz publicou em seu blog, o Astronauta, um interessante artigo intitulado "Em defesa dos contos populares". Nele, ela discorre sobre esse gênero narrativo predominantemente oral que sofre inúmeras modificações até virar literatura. Tais mudanças são efetuadas pelos diferentes imaginários emissores dessas histórias baseadas em lendas e mitos.

Coincidentemente, Neil Gaiman, escritor consagrado pela série em quadrinhos Sandman, acaba de lançar o romance  O oceano no fim do caminho. Gaiman é conhecido por transformar personagens clássicos em "celebridades", dando-lhes complexidade e importância, como ocorreu com As Três Bruxas, inspiradas nas Fúrias, trio de deusas da mitologia grega (foto).

João Guimarães Rosa escreveu muitas de suas histórias influenciado pelas crendices do  grande sertão. Moacyr Scliar fez de figuras mitológicas, como centauros e esfinges, protagonistas e coadjuvantes marcantes. Homero é, até hoje, um mistério, já que não se sabe quem foi o homem (ou mulher?) que narrou Odisseia e Ilíada.

Os "causos" passados de boca em boca e geração para geração são a base do gênero narrativo. Um romance ou conto literário deve possuir as mesmas qualidades das histórias contadas ao redor de uma fogueira, em noites frias, sob céu estrelado. Os interlocutores viajavam na voz daquele que narra, embarcando na fantasia e criando seus próprios Ulisses. Com esses heróis enraizados na memória, tratavam de divulgá-los, eternizando assim suas aventuras.

Gaiman, Rosa e Scliar exerceram e exercem o papel de imortalizadores de mitos, pois deram ao imaginário popular a elegante roupagem de suas narrativas. Se não são novos Homeros, serão lembrados como fabulosos propagadores de lendas.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A era da ficção científica

A ficção científica propõe tramas ambientadas em futuros conturbados. Os homens acabam vítimas de suas próprias máquinas, construídas para serem suas escravas, que desenvolvem inteligência própria e se rebelam contra seus criadores. No âmbito governamental, a paranoia de manter tudo sob controle faz com que todos os indivíduos sejam vigiados por um estado policial opressor.

O escritor estadunidense Philip K. Dick (1928 - 1982) possuía um imaginário idealizador nesse sentido. Em "Fluam, minhas lágrimas, disse o policial", Jason Taverner dorme como celebridade e acorda anônimo em um mundo onde identidade é tudo. Como consequência, vê-se caçado pelo implacável sistema vigente.

Alan Moore e David Llloyd idealizaram uma Inglaterra igualmente opressora em "V de Vingança". O misterioso mascarado tornou-se um símbolo de resistência, tanto que sua face risonha e impassível é utilizada em vários movimentos pertencentes à nossa realidade.

A ação exagerada da Polícia Militar contra os manifestantes desfavoráveis às tarifas de transporte público em São Paulo na semana passada mostra que vivemos em uma época parecida com a da ficção científica. Temos a falsa impressão de sermos livres para nos expressar como bem entendemos. Porém, as prisões, agressões e tiros efetuados pela Tropa de Choque paulistana provaram que somos cada vez mais vigiados.

Tudo indica que, num futuro próximo, seremos, tal como o Taverner de Dick, vítimas de nossos próprios vigilantes. Dormiremos em liberdade. Acordaremos sem identidade.