domingo, 29 de julho de 2012

A sombra do Morcego

Aviso aos desavisados que o palavrório que se segue é extremamente tendencioso e baseado no fanatismo de alguém que não conhece tudo, mas tudo o que leu foi suficiente para que considerável simpatia fosse despertada. Quem leu ou lê histórias em quadrinhos, fatalmente acaba por eleger a sua personagem favorita. Aqui, falar-se-á do Batman, o eterno vigilante de Gotham City criado por Bob Kane, que tem sido um assunto recorrente nas últimas semanas, graças ao lançamento do filme "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge", fechando (?) a magnífica trilogia dirigida por Christopher Nolan.

Alguns críticos tidos como intelectuais do cinema, cinéfilos que vibram ao ver nomes clássicos como Kubrick, Kurosawa, Truffaut ou Fellini, fizeram de tudo para achar algum defeito no derradeiro filme do contemporâneo Nolan. Claro, a maioria dos cronistas da sétima arte não é leitora de quadrinhos e vêm os super-heróis de modo jocoso. O que poderão acrescentar às suas tão cultas mentes um bando de homens fantasiados? Ainda mais o Batman, que ainda hoje é tido muitas vezes como uma personagem inocentemente destinada ao público infantil. Aí é que eles realmente se enganam.

Batman vai muito além do conceito de vigilante mascarado. É um grande detetive, nos moldes de personagens clássicas da literatura noir, tais como Dupin, Holmes ou Marlowe, o que torna suas histórias igualmente pertencentes a esse gênero literário. Cada roteirista que escreve uma nova trama é obrigado a pesquisar sobre variados assuntos, que vão de golpes de diferentes artes-marciais à utilização de variados e específicos elementos químicos, já que Bruce Wayne não possui poderes sobrenaturais. Edgar Allan Poe, Sir Arthur Conan Doyle e Raymond Chandler fizeram tais pesquisas com os clássicos detetives acima citados, respectivamente. Nomes consagrados no mundo dos quadrinhos como Alan Moore, Frank Miller e, atualmente, Scott Snyder, deram astúcia igualmente humana ao Homem-Morcego.

E foi o fator humano o mais enfatizado por Nolan nos três filmes que dirigiu. Por baixo da máscara que aterroriza os bandidos, há um homem como qualquer outro, que envelhece e sofre com os efeitos de cada batalha travada. Um homem que criou um símbolo de rosto desconhecido. Uma marca que representa a luta pela justiça, assim como em "V de Vingança", de Alan Moore e David Lloyd, que enfatiza um símbolo anárquico. Qualquer indivíduo que vestir o capuz simbolizado pelo morcego representará a luta contra o crime. Nolan, com grande maestria, conseguiu, por meio de seus longas, captar a verdadeira essência das reais agruras contra as quais o Morcego é obrigado a lutar, que não se limitam à insanidade de vilões como o Coringa ou o Duas-Caras, mas se estendem à política corrupta e a ataques terroristas que fazem sua cidade apodrecer.

Recomenda-se fortemente aqui, então, que os filmes "Batman Begins", "O Cavaleiro das Trevas" e "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" sejam apreciados, e que essa apreciação se estenda aos quadrinhos, seu território original, em obras como "O Cavaleiro das Trevas", "Ano Um", "A piada mortal" ou mesmo nas revistas mensais. Será um bom modo de perceber, compreender e entender a intensidade da sombra do Morcego.

domingo, 22 de julho de 2012

Um mundo perturbador

O cinema, por meio de seus diretores, torna algumas sucessões de cenas inesquecíveis, mesmo elas sendo de caráter fictício, na vida dos que o apreciam. Mais do que gravar (ou cravar?) na memória do telespectador uma trama e seu desenrolar, alguns filmes são feitos para perturbar, pois mesmo eles sendo histórias elaboradamente inventadas, chocam dada a proximidade do simples cotidiano vivido por reles mortais.

Stanley Kubrick, por meio dos longas "Laranja Mecânica" e "Nascido para matar", mostrou primorosamente que o mundo real é um lugar podre, onde não há esperança de cura para a insanidade daqueles que praticam perversidades. Seja inserido em uma sociedade conservadora ou durante uma guerra, o ser humano pode tornar-se a criatura mais perversa que já existiu, praticando estupros, roubos, vandalismos e assassinatos cruelmente impiedosos como se tudo isso fosse normal ou pertencesse ao livre arbítrio.

Sergio Leone, John Ford e Clint Eastwood foram criadores de histórias localizadas no velho oeste estadunidense, em que mocinhos benfeitores duelavam com bandidos perversos. Mesmo que muitos inocentes morressem e uma chuva de balas fosse disparada, todos sabiam que os defensores do bem sairiam vitoriosos. "Três homens em conflito", de Leone, mostra o triângulo odioso entre três sujeitos: o bom, o mal e o feio. Durante a trama, eles duelam por um tesouro escondido, havendo momentos de vantagem para os três lados. Resultado: o vitorioso (o bom) é aquele que se aproveita da deslealdade de seus adversários.

Joel e Ethan Coen atualizaram o gênero western e fizeram o faroeste moderno "Onde os fracos não têm vez". Assim como no longa citado anteriormente, há a disputa por uma grande quantidade de dinheiro. Porém, não existe a definição do que é ser leal ou não. Não há mocinhos ou bandidos. Cada personagem impõe a sua própria regra de acordo com o que lhe parece adequado para sobreviver. A aparente loucura de Anton Chigurh (Javier Bardem) é o retrato do mundo doentio em que vivemos, onde só os mais fortes sobrevivem. A bondade religiosa e ponderada do xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) é característica peculiar aos fracos, que sucumbirão ao admirável mundo novo em que vivem.

Dada a proximidade da ficção com a vida real, muitas vezes ela acaba transpondo a hoje tênue tela do cinema, como ocorreu durante essa semana na estréia do filme "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge", no Colorado, nos Estados Unidos. James Eagan Holmes resolveu incorporar a impiedosidade do Coringa, uma das personagens mais complexas já criadas, e atirar em cinquenta pessoas. Foi a prova de que o mal fictício e arrebatador da arte está cada vez mais próximo de nós. E, mais do que nunca, a prova de que vivemos em um mundo perturbador.

domingo, 15 de julho de 2012

As pedras de Paraty

Foi-me solicitada uma crônica sobre a viagem que me impediu de postar, seguindo minha regularidade dominical, no último final de semana. O frio, o vento, os livros, as pedras, a poesia, a literatura, o Drummond. Tais elementos foram os temas propostos. Acho que não conseguiria escolher um em específico. Todos contribuíram para que fosse uma viagem interessante e agradavelmente literária. Explico: refiro-me à cidade de Paraty, que abrigou a décima edição da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty).


Como é peculiar a essa época do ano, o frio esteve presente em boa parte do tempo. Então, para aqueles que buscavam o desfrute de um mergulho no mar gelado e um tanto quanto revolto, ir para essa histórica cidade do estado do Rio de Janeiro não era um bom programa. O clima de inverno trazido pelo vento constante permitiu que um certo charme envolto em cachecol fosse dado ao ambiente literário ali instalado. A FLIP, sem frio, seria um erro.

Pendurados nas árvores, nas janelas das casas, nas prateleiras, nas mesas dos cafés e restaurantes, na mão dos mediadores e escritores. Os livros estavam em toda a parte. Alguns eram divulgados por seus próprios escritores, que faziam sua propaganda pessoalmente pelas ruas, já que não possuíam todo o glamour e apelo comercial dado pelas grandes editoras. Foram autografados, lidos, comentados. Os autores que tentaram se colocar à frente de sua obra de arte, não foram felizes em suas apresentações.

O contato dos leitores com seus referenciados escritores é, também, o tempero essencial do festival. Encontrar por acaso (ou mesmo nas mesas de autógrafos que se sucediam aos debates) aqueles que nos fazem sonhar e vibrar por meio de seus escritos é algo fascinante. Como blogueiro e cronista amador, ansiava pela palestra (com ares de stand up comedy) da jornalista velha de guerra, na Casa Folha, Barbara Gancia. E como leitor fanático de romances urbanos e sertanejos, muito esperava pelo encontro com Rubens Figueiredo e Francisco Dantas (esse último, conheci ali mesmo, por meio de um sensacional carisma sergipano, que me levou a adquirir Os Desvalidos, talvez o seu mais aclamado livro). Todas as expectativas foram positivamente correspondidas. Foi mundo bom ouvir da própria boca (suja?) de Barbara os conflitos que enfrentou nos bastidores da imprensa, e saber que Rubens Figueiredo considera sua função de professor do ensino médio mais realizadora do que a de escritor.

O homenageado deste ano foi ninguém mais, ninguém menos, mas alguém que dispensa apresentações: o eterno e imortal poeta Carlos Drummond de Andrade. Assim como no poema No meio do caminho, havia não apenas uma, mas várias pedras no trajeto de quem vagava em busca das homenagens e exposições sobre o poeta pelas históricas e patrimoniais ruas de Paraty. Mas tal esforço era demasiadamente compensado. Cada intervenção sonora, visual ou escrita provava que não é necessário se utilizar de palavras rebuscadas e rimas complexas para se fazer poesia. A poesia de Drummond, aliás, está muito além do "gostar ou não de poesia". Ela é extremamente profunda em sua simplicidade. Resvala na prosa, na crônica, no conto. É universal. Ninguém passa imune por ela. 

Assim como na agenda cultural nacional, a FLIP também já entrou para a de todos os amantes de literatura que vivem ou não no Brasil. Ano que vem, espero encarar, mais um vez, as pedras de Paraty.

domingo, 1 de julho de 2012

Vida longa ao pragmatismo

Neste domingo, o colunista Tostão, na Folha de S. Paulo, escreveu que "colunistas de outras áreas, filósofos e poetas deveriam falar mais de futebol". Nesse espaço, não há um assunto definido. Escrevo normalmente sobre literatura, cinema, histórias em quadrinhos, música e banalidades (essas, talvez com mais frequência). Mas sobre futebol, essa paixão doentia que possuo desde quando era muito pequeno, nunca dissertei. É o que farei hoje.

Muito se tem discutido sobre a atual forma de se jogar. A maioria dos cronistas são defensores do futebol-arte, esse, jogado pelo Barcelona e pela seleção da Espanha, de muito toque de bola, não tem essa de dar chutão, tudo tem que ser pensado, desde o beque-central que dá o primeiro toque, passando pelo meia-armador, até chegar ao centro-avante que coloca a bola para dentro do gol. A maioria dos outros clubes tenta imitá-lo. Recentemente, o que mais chegou perto desse estilo criado pelo grande treinador Pep Guardiola no time catalão, foi o Santos Futebol Clube de Neymar, Robinho, Ganso e cia. Hoje, mesmo tendo mantido a base desse time formado em 2010, já aspira certo pragmatismo.

Tudo bem, é um estilo de jogo bonito de se ver, toque pra lá, pra cá, drible, chapéu, tabela, calcanhar, letra, chaleira, golaço. Mas, que me perdoem os amantes e deuses do futebol, confesso que aprecio mais intensamente o futebol de resultado, feito por um time sólido defensivamente e fulminante no contra-ataque. Antes que atirem pedras ou me enforquem nos guindastes da morte iranianos, explico-me.

Gosto desse tipo de jogo porque é sempre como se fosse uma batalha entre Davi e Golias. Um gigante bombardeando uma defesa dura como uma rocha, que espera o momento certo para despachar uma bola para um volante ou meia criativo, que fazem ligação direta com um ponteiro rápido feito uma bala, que serve um atacante até então apagado no jogo, que define o vencedor objetivamente, derrubando o gigante favorito com uma única e certeira pedrada nos cornos. Tivemos inúmeros exemplos como esse na história esportiva recente. 

O invencível São Paulo de Muricy Ramalho, tri-campeão brasileiro (2006, 2007 e 2008); a Inter de Milão de José Mourinho e o Chelsea de Roberto Di Matteo, equipes campeãs da Champions League que derrubaram os então favoritos com suas defesas brilhantementes disciplinadas e ataques certeiros (2010 e 2012, respectivamente); a criticada seleção brasileira comandada por Dunga, que com seu futebol de resultado ganhou tudo o que disputou, menos a Copa do Mundo de 2010; ou esse valente, guerreiro e solidário Corinthians de Tite, que com uma defesa quase impenetrável chega como favorito à final de sua tão sonhada Libertadores; ou essa desacreditada seleção italiana, que aposta tudo no seu tanque goleador, o seu certeiro Balotelli.

Muitos com certeza discordarão, mas ainda prefiro ver meu time atuando burocraticamente, mas ganhando, do que jogando com um futebol vistoso, porém derrotado. Um drible desconcertante é bonito de se ver? É. Mas um desarme bem feito também possui a sua beleza.

Vida longa ao pragmatismo.