domingo, 29 de janeiro de 2012

A hora da escolha

Minha cabeça oca é uma máquina de produzir pensamentos. Por algum motivo que desconheço, não consigo relaxar meu cérebro a ponto de me dedicar há alguns momentos de ócio, o pensar em nada, apenas olhar para o vazio e ficar em estado vegetativo induzido. Concentrar-me em uma única coisa também é um desafio para mim. Enquanto estou trabalhando, por exemplo, não fico focado só naquilo que executo. 

Minha mente viaja para a faculdade e seus afazeres; para o meu quarto, onde encontram-se devidamente estocados todos os meus livros e filmes que ainda não li ou assisti; enfim, quando me dou conta, estou mal humorado, pois vejo que tenho pouquíssimo para fazer tanta coisa. O mesmo ocorre agora, enquanto escrevo esse post, pois estou cercado por todas essas edições e DVD's. A tentação de assistir e ler de tudo um pouco é grande.

E durante essa semana, ocorreu mais um caso que está fazendo minha mente ferver mais que de costume. Trabalho há sete anos no segmento metalúrgico. Não é a paixão da minha vida, mas tive de ingressar nesse ramo meio que por falta de opção, pois na região onde moro é a mais forte área para se trabalhar, por conta da quantidade de empresas, e precisava ter meu ganha pão. Depois de me diplomar com técnico em mecânica (o máximo que consegui aturar), fui fazer cursinho para tentar vaga em uma universidade pública e estudar algo que eu gostasse. Acabei por ingressar no curso de Letras, pois abrange muitas áreas do meu interesse.

Óbvio que seria muito difícil conciliar isso com a área na qual trabalho. Mesmo não tendo a mecânica como minha meta de vida, acabei por adquirir um certo conhecimento na área. Mas infelizmente aço e literatura não caminham juntos. Era o que eu achava. 

Nessa empresa em que trabalho, sempre há a abertura de vagas internas. Quando isso ocorre, descreve-se os requisitos para a vaga. Na última sexta-feira, enquanto olhava o mural de oportunidades, reparei em uma que nunca havia visto em meio às vagas, em sua esmagadora maioria, quase sempre para a engenharia. Tratava-se do cargo de editor técnico, que pedia curso em mecânica, inglês intermediário e conhecimentos básicos em pacote Office. A sua função é editar e divulgar textos relacionados a determinados produtos fabricados pela corporação. Quase não acreditei. Finalmente poderia juntar o útil ao agradável. Trabalhar com palavras, que é uma das minhas paixões e ao mesmo tempo permanecer nessas excelente empresa.

Mas havia um porém. Essa vaga é para uma outra unidade da empresa, que fica bem distante de onde moro. Normalmente eu iria com certeza para lá. O salário é maior, bem como a cidade. Conhecer lugares e pessoas diferentes é algo que sempre me atraiu. Um desafio interessante. O problema é que estou no terceiro ano de minha querida faculdade de Letras, com um projeto de pesquisa em literatura em andamento e me deliciando com a aprendizagem de literatura e língua alemã. Para ir para essa empreitada profissional, teria de trancar o curso por tempo indeterminado. Então, meu caro leitor, você já pode ter ideia de como minha já conturbada mente anda.

Se eu trancar minha matrícula, não se voltaria um dia a abri-la. Minha mente já trabalhou a possibilidade de fazer outro curso, em outra faculdade, mesmo que particular. Mas aí já seria outro projeto interrompido, em meio a tantos que já abortei. E já não sou tão jovem para ficar me dando ao luxo de voltar atrás em meus caminhos para tomar outro.

Às vezes me esqueço de que a vida é assim mesmo, cheia de caminhos que aparecem do nada. Não há como planejar o amanhã. Por agora, apenas pensarei sobre o que fazer. Só espero ter a devida sabedoria para fazer a escolha certa quando chegar a hora.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cada vez mais burros

Acabo de chegar de minha aula relativa ao curso intensivo de língua alemã que estou frequentando nessas férias. Porém, o que me impulsiona a aqui escrever não são as peculiaridades do idioma estudado e nem a evolução que sinto em meu escasso palavrório germânico, mas sim as informações que tenho lido e ouvido desde domingo com relação ao comportamento e à televisão do nosso querido e judiado Brasil. 

Ontem, li dois excelentes posts comparando uma série de fatores comportamentais entre os brasileiros e alemães em geral nos blogs Confissões Ácidas e Entre Mãe e Filha. Os textos falavam sobre o modo como os aqui nascidos não sabem se comportar adequadamente diante de uma opinião sincera, enquanto que os naturais da terra de Beethoven não só o sabem fazer como sempre são muito corretos em suas réplicas. Nada mais que a verdade. Muitos brasileiros interpretam como uma afronta um ponto de vista diferente dos seus e não conseguem buscar recursos para argumentar perante algo do tipo.

O motivo? Para mim, falta de cultura. Lê-se cada vez menos. A grande maioria prefere a televisão aos livros, jornais ou revistas. O brasileiro de hoje é educado por programas de baixa qualidade e nível cultural duvidoso. Nessa aula à qual me referi acima, minha professora, que é nascida na Alemanha e vive no Brasil há cinco anos, descreveu sua resposta para as pessoas que lhe perguntam se ela assistiu ao Domingão do Faustão: "Nunca!". E minha colega de classe, com relação ao Pânico na TV: "Sempre que posso, não." Ela, uma estrangeira, já sabe que a nossa televisão é uma imensa lata de lixo.

No jornal Folha de S. Paulo de domingo, na página em que são listadas as principais frases ditas durante a semana, duas delas muito me chamaram a atenção. A primeira era da autoria do jornalista Carlos Nascimento: "A Luíza voltou do Canadá. E nós já fomos mais inteligentes." A segunda, do, para mim, miserável e sacripanta ex-jornalista e homem de bem, que cobriu acontecimentos marcantes da nossa história recente (como a Guerra do Golfo e queda do Muro de Berlim), Pedro Bial: "O amor é lindo". Essa foi proferida enquanto era mostrado no vídeo um possível abuso, ou possível estupro, ou possível filme pornográfico de péssima qualidade, ou possível agressão aos olhos, à mente e à moral de quem estava assistindo e dando ibope a esse monte de merda (desculpem a palavra chula) chamado Big Brother Brasil.

Joca Reiners Terron postou hoje, no Blog da Companhia das Letras, um texto intitulado Cotidiano de um colunista sem assunto. Mas sobre o que falarão os articulistas? Só o silêncio pode justificar o tanto de bobagem que somos obrigados a aturar. Complexo vira-lata? Longe disso. É a mais pura realidade. Vi uma notícia sobre um movimento na internet que pede para que todos não sintonizem seus televisores na Rede Globo amanhã, 25 de janeiro. Alguém acredita que isso dará certo?

Continuaremos assim, até o fim dos tempos, vivendo em um país desprovido de consciência crítica, admirando como os estrangeiros são mais lúcidos e, parodiando o famoso refrão dos Titãs, com a televisão deixando nosso país muito burro, muito burro demais.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Ficçãozinha III

Foi, é, e sempre será.
Guitarra, bateria, baixo, vocal, baixo, cerveja, fones de ouvido, bares, beijo, cult, sorriso, bater o pé, sorrir. O rock foi, é, e sempre será.

38
Mirou, engatilhou e seu 38 explodiu um som metálico que eclodiu pela eternidade. Acendeu um cigarro e ficou satisfeito com todo aquele sangue.

Paralelismo
Lamberam, chuparam, gemeram e gozaram. Vestiram-se. Ela, dona de casa. Ele, vendedor. O sexo é um universo paralelo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Um conhecimento prazeroso e vitalício

Desde que me conheço por gente, sou fiel leitor de tudo quanto é tipo de coisa, principalmente as impressas. Cresci lendo jornais e histórias em quadrinhos. Depois, mais crescido, a literatura, tanto a que me foi apresentada na escola como a que conheci fora dela, também viria a ocupar grande parte do meu tempo.

E foi na escola que também desenvolvi uma paixão imensa por outra disciplina, que infelizmente, nos períodos dos ensinos fundamental e médio, fora-me ensinada de maneira parca e desleixada. Só depois de começar a trabalhar é que obtive recursos para aprender a gramática da língua inglesa decentemente.

Muitos dizem que, hoje em dia, o inglês é uma coisa essencial para todo aquele que deseja ser "alguém" na vida. Sinceramente, eu não sei se isso é verdade. Depende do que cada um busca para si. Eu estaria no mínimo sendo muito suspeito ao ser adepto a esse tipo de pensamento. Estudo inglês porque realmente gosto muito do idioma e 90% das bandas que ouço e dos filmes que assisto são provenientes desse idioma. Digo 90% porque atualmente estou a deleitar-me (se me permitem ser um tanto quanto poético) com a descoberta de um outro idioma que, para mim, é deveras muito mais complexo. 

A paixão pela literatura e pela língua inglesa levaram-me a presta vestibular para o curso de Letras. Vestibular superado e matrícula feita, cabia-me então classificar minhas preferências num rol de seis línguas estrangeiras, das quais duas seriam as que obrigatoriamente seriam seguidas por mim durante o primeiro ano. Como não poderia deixar de ser, o inglês foi a primeira. Cito aqui as duas seguintes: alemão e francês.

Por conta de minha classificação entre os recém ingressos, acabei por não conseguir vaga entre os privilegiados que estudariam o idioma da terra da rainha e sua literatura. Fiquei, então, com a segunda e a terceira. Após uma frustração inicial,descobri que esse fato acabou por ser o melhor que me poderia ter acontecido.

Apaixonei-me por ambas as línguas, mas a alemã foi a que mais me cativou e é a que me acompanha até hoje juntamente com o inglês, que continuo a estudar fora do âmbito acadêmico. Talvez por conta de sua sonoridade ou pela própria história e cultura do país, providas de nomes como Goethe, Einstein, Beethoven, Bach, Nietzsche, Hegel e tantos outros gênios. Ou pelo cinema, que me apresentou os grandes diretores Wim Wenders e Werner Herzog. Ou pelas tirinhas mudas, porém contundentes e anárquicas de E. O. Plauen. Ou pelo próprio futebol de Beckenbauer, Matthäus e Klinsmann. Enfim, motivos não faltam.

O fato é que aprender sobre línguas e culturas estrangeiras nos dá munição para conhecermos o mundo, além do prazer que o próprio conhecimento nos propicia. Devemos, sim, conhecer nosso país o máximo que pudermos, afinal, nossas raízes encontram-se aqui. Mas conhecer uma cultura estrangeira é igualmente importante.

Para o seu próprio bem e deleite, caro leitor, recomendo fortemente que faça sua matrícula em uma escola de línguas estrangeiras. O conhecimento que ali adquirir será vitalício e só lhe fará bem.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As mil faces de uma velha companheira

Durante essa semana, enquanto exercia o meu ofício assalariado diário, recebi uma notícia que me chateou, deveras, um bocado. O pai de um grande e querido amigo acabou por falecer fatal, trágica e repentinamente. 

Qualifico assim tal acontecimento pois não havia qualquer tipo de enfermidade que anunciasse o infarto fulminante que o acometeu. Apenas acordou, viu seus dois únicos filhos e sua mulher por alguns momentos, respirou, comeu e bebeu algumas das suas últimas proteínas e foi abraçado por aquela velha conhecida que um dia chegará para todos aqueles que vivem por essas ou aquelas terras.

Quando a morte chega para algum indivíduo que de mim foi muito próximo, seja pela eventual amizade, coleguismo ou até mesmo pela forçosa ou prazerosa convivência familiar, pego-me a imaginar qual e como será o seu rosto. Será ele brando, de forma que ela nos acolha de modo carinhoso em nossa derradeira jornada? Ou severo, como quem diz: "agora você pagará por tudo que fez em vida!".

Desde minha infância até os dias de hoje, as histórias em quadrinhos, os livros e seus roteiristas, escritores e criadores de mente insana deram algumas imagens para a minha doentia imaginação materializar nos meus mais longínquos recônditos cerebrais. Algumas, por conta da idade e da suposta maturidade que vai chegando ao modo de ser dos indivíduos em geral, acabei crendo que seriam um tanto quanto fantasiosas.  


A primeira imagem que tive da morte foi por meio de uma personagem criada pelo mestre Maurício de Souza, o inventor da Turma da Mônica. Trata-se de uma morte clássica, com face cadavérica, um tipo de manto negro e uma foice, seu inseparável instrumento de realização da passagem fatídica, ou seja, dessa vida para outra. Porém, como todos que cresceram lendo os quadrinhos feitos por esse artista ímpar, trata-se de uma personagem provida de grande carisma e que arranca sorriso mesmo dos leitores que a leem somente nas salas de espera do dentista.


Uma outra visão que tive dessa que chegará um dia foi de acordo com o livro A menina que roubava livros, escrito pelo australiano Markus Zusak, que a coloca como narradora do romance. Essa versão já não é tão carismática quanto a do brasileiro acima citado, sendo ela fria e apenas relatadora dos fatos que à ela se apresentam. De acordo com a capa do livre (algo que sempre me deixa com um pé atrás), trata-se de uma figura sombria que tem em suas mão um guarda-chuva vermelho.


E a última e mais "atraente" causadora de tristezas é a mais do que famosa e carismática Morte de Neil Gaiman, personagem cativante das histórias em quadrinhos inserida na saga do Senhor dos Sonhos, o Lorde Morpheus, conhecido por uns como Oneiros, ou simplesmente Sandman. De acordo com a genial e criativa imaginação de Gaiman, ela tem a aparência de uma descolada garota de dezenove anos, meio roqueira, meio punk, meio gótica, que trata as suas "vítimas" com apreço e gentileza quando é chegada a hora fatídica.


Enquanto permanecermos respirando por essas bandas, o rosto da morte permanecerá sendo um mistério.O certo é que, uma vez visto, não poderá ser descrito por sua testemunha ocular.


E, particularmente, no momento atual, não tenho curiosidade de sabê-lo.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Orgulho de possuir uma estante

A internet em pleno e infinito advento tornou possível o acesso a clássicos da música, da literatura e do cinema sem que o internauta precise pagar absolutamente nada pelo que descarrega em seu computador. 

Não é mais necessário ir a uma livraria ou até mesmo acessar uma loja virtual para ter o prazer de ler um livro desejado há muito, menos ainda sair de casa à procura de um CD ou vinil daquela sua banda favorita. Ir à locadora ou comprar aquele puta filme daquele diretor que revolucionou o modo de fazer cinema? Para quê? Tá tudo ali, no Google ó, digite o nome do filme e abaracadabra, aparecerão um sem número de blogs cujos donos tiveram a boa vontade de disponibilizar um cavalar acervo de filmes para cinéfilo algum botar defeito.

Apesar de toda essa facilidade, confesso que eu, quadrado e ultrapassado indivíduo que sou, posiciono-me contra todas essas facilidades. Sim. Ainda assino jornal impresso, gasto boa parte do meu suado e curto salário com livros, DVD's e CD's, e penso em, futuramente, quem sabe, comprar um toca-discos, só para ter o prazer de botar um vinil do Led Zeppelin  na vitrola e ficar deitado em minha cama, pensando no quanto os graves exalados por aquelas caixas poeirentas são belos e rústicos, bem mais empolgantes que meu novo e desgraçado MP4 portátil.

Não consigo ler livros na tela do computador. É um tormento. Tenho o hábito de ler com uma lapiseira na mão, que serve para destacar aquela passagem, aquela sacada genial, aquela conclusão filosófica que nos faz pensar: "puta merda, é isso mesmo, caralho!". Em várias oportunidades quase risquei a tela do computador, impelido por um trecho de extrema e conclusiva genialidade. E, assim como muitos leitores, sou tarado pelo cheiro de livro novo. 

No programa Provocações, transmitido pela TV Cultura e apresentado por Antônio Abujamra, o poeta Fabrício Carpinejar disse não acreditar no fim das tiragens impressas; para ele, o ato de folhear um livro é mais do que poético; é algo que vem das entranhas. Carol Bensimon escreveu recentemente em seu espaço no Blog da Companhia das Letras que, em um mundo tão moderno e veloz, ao pegarmos um livro e abri-lo em público, seria o mesmo que levantarmos o dedo médio para toda essa modernidade desenfreada, em que teses, ideias e opiniões não duram nem cinco minutos.

O mesmo para o ato de assistir a algum filme. Dificilmente baixo ou assisto algo no meu já bastante deteriorado notebook. Nada substitui o prazer de ter aquele DVD na sua estante e poder pegá-lo quando der na telha e assistir as imagens geradas por ele pela décima oitava vez. Assisto várias vezes ao mesmo filme. Decoro cenas, falas e gestos para depois chatear meus amigos nas mesas de bar.

Ao olhar para o meu lado direito, posso ver meu pequeno acervo, que possui algumas coisas das quais tenho muito orgulho: os sete livros da saga Harry Potter (sim, narrativa de primeira, apesar de possível plágio), três coletâneas de contos escritos por Edgar Allan Poe, romances de José Saramago, vários volumes da autoria do meu grande ídolo Rubem Fonseca, todos os filmes dirigidos por Quentin Tarantino, alguns de Stanley Kubrick, um pack com todos os DVD's da saga O Poderoso Chefão, CD's das bandas Led Zeppelin, Metallica, The Doors, Pink Floyd e mais algumas quinquilharias. 

µTorrent ou 4Shared nenhum substituem o materialismo poético de uma estante forrada de obras de arte.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ainda sobre crença e religião

Há alguns dias postei um texto que falava sobre algumas peculiaridades que me levaram a abandonar o hábito de ir à igreja e exaltava as qualidades de uma sala de aula (Templo do saber, 14 de dezembro de 2011). Minha intenção, ao retomar esse assunto, mais especificamente voltado para a religião no presente post, não é ser polêmico e muito menos pedante. O que quero é expressar o quanto a literatura também pode tratar de forma competente tal assunto através da voz de um narrador ficcional.

Refiro-me ao narrador do consagrado autor russo Anton Tchekhov (1860 - 1904), que de forma magistral aborda a temática da fé no conto O assassinato, de 1895. A trama trata da delicada relação entre os primos Matviei, um indivíduo que coloca em xeque os atos e condutas dos sacerdotes católicos, e Iákov, um homem que segue os ritos diários de orações como se aquilo fosse uma regra.

Não vou me pautar no desenrolar da história, pois acho que é uma narrativa que deve ser lida mesmo pelos que não são amantes da literatura. Cito aqui alguns trechos que muito me chamaram a atenção por sua atualidade, mesmo o conto tendo sido escrito a mais de 100 anos.

Matviei é um personagem que se considerava o mais assíduo seguidor dos mandamentos divinos. Jejuar, rezar e fazer penitências que castigavam o seu corpo era a sua rotina. Porém, um dia, quando vai se confessar, nota que o sacerdote que o ouviria era um tanto quanto gordo, o que denota ser um praticante da gula, além de casado e fumante. Então, que direito teria ele de absolvê-lo de seus pecados? Não seria o mesmo caso em nossos dias de hoje? Muitos dos nossos sacerdotes vivem com grande conforto. Os próprios acessórios que são utilizados durante as celebrações são providos de grandes ornamentos luxuosos, como ouro e prata. E, partindo para uma situação mais grave: quantos casos de pedofilia não são frequentes em nossos jornais impressos, cibernéticos ou televisivos? 

Iákov, que sempre considerou-se um homem de fé, é morador de uma área rural e distante da civilização. Um dia, ao surpreender sua filha dizendo palavras de baixo calão, dá-se conta de que aquela menina, criada em um ambiente selvagem, não possuía nenhum tipo de crença. Ela apenas fazia o que seus pais lhe mandavam. Ele próprio não sabia por quê rezava com tanto afinco. Nunca lhe fora explicado. Sempre foi uma regra. Quantos pais religiosos não impõem doutrinas aos seus filhos sem ao menos explicá-las? Essas crianças muitas vezes tornam-se adultos que não sabem distinguir uma informação escabrosa de uma real ou sensata. 

No conto, as visões diferentes dos primos culminam com o crime que dá nome à narrativa. Recomendo que, independente de crença ou religião e sem a necessidade de mudá-las ao final da leitura, tal conto seja lido com olhos críticos, jornalísticos e imparciais. 

Mesmo em uma época com poucos recursos informativos, Tchekhov já mostrava ao seu leitor que deve haver fé, mas uma fé sensata e que não nos torne ignorantes, para que nossa inteligência não seja assassinada.