Há alguns dias postei um texto que falava sobre algumas peculiaridades que me levaram a abandonar o hábito de ir à igreja e exaltava as qualidades de uma sala de aula (Templo do saber, 14 de dezembro de 2011). Minha intenção, ao retomar esse assunto, mais especificamente voltado para a religião no presente post, não é ser polêmico e muito menos pedante. O que quero é expressar o quanto a literatura também pode tratar de forma competente tal assunto através da voz de um narrador ficcional.
Refiro-me ao narrador do consagrado autor russo Anton Tchekhov (1860 - 1904), que de forma magistral aborda a temática da fé no conto O assassinato, de 1895. A trama trata da delicada relação entre os primos Matviei, um indivíduo que coloca em xeque os atos e condutas dos sacerdotes católicos, e Iákov, um homem que segue os ritos diários de orações como se aquilo fosse uma regra.
Não vou me pautar no desenrolar da história, pois acho que é uma narrativa que deve ser lida mesmo pelos que não são amantes da literatura. Cito aqui alguns trechos que muito me chamaram a atenção por sua atualidade, mesmo o conto tendo sido escrito a mais de 100 anos.
Matviei é um personagem que se considerava o mais assíduo seguidor dos mandamentos divinos. Jejuar, rezar e fazer penitências que castigavam o seu corpo era a sua rotina. Porém, um dia, quando vai se confessar, nota que o sacerdote que o ouviria era um tanto quanto gordo, o que denota ser um praticante da gula, além de casado e fumante. Então, que direito teria ele de absolvê-lo de seus pecados? Não seria o mesmo caso em nossos dias de hoje? Muitos dos nossos sacerdotes vivem com grande conforto. Os próprios acessórios que são utilizados durante as celebrações são providos de grandes ornamentos luxuosos, como ouro e prata. E, partindo para uma situação mais grave: quantos casos de pedofilia não são frequentes em nossos jornais impressos, cibernéticos ou televisivos?
Iákov, que sempre considerou-se um homem de fé, é morador de uma área rural e distante da civilização. Um dia, ao surpreender sua filha dizendo palavras de baixo calão, dá-se conta de que aquela menina, criada em um ambiente selvagem, não possuía nenhum tipo de crença. Ela apenas fazia o que seus pais lhe mandavam. Ele próprio não sabia por quê rezava com tanto afinco. Nunca lhe fora explicado. Sempre foi uma regra. Quantos pais religiosos não impõem doutrinas aos seus filhos sem ao menos explicá-las? Essas crianças muitas vezes tornam-se adultos que não sabem distinguir uma informação escabrosa de uma real ou sensata.
No conto, as visões diferentes dos primos culminam com o crime que dá nome à narrativa. Recomendo que, independente de crença ou religião e sem a necessidade de mudá-las ao final da leitura, tal conto seja lido com olhos críticos, jornalísticos e imparciais.
Mesmo em uma época com poucos recursos informativos, Tchekhov já mostrava ao seu leitor que deve haver fé, mas uma fé sensata e que não nos torne ignorantes, para que nossa inteligência não seja assassinada.
Acho que tudo tem que passar pelo crivo da razão. Temos que contestar o que nos é oferecido e isso vale também para religião e fé.
ResponderExcluirEu tenho minha religião, mas não acredito em absolutamente tudo que pregam, tiro a parte que acho sensata!
Beijocas
aqui em casa nada foi forçado, meus pais não colocaram como condição q nós, os filhos, seguíssemos a sua religião. deixaram tudo muito a vontade para q nós mesmos tomássemos a decisão.
ResponderExcluirjustamente por conta de usar a razão como filtro, meu pai 'sambou' entre acreditações, participou de várias crenças e acabou ficando na q mais lhe parecia sensata e não lhe cobrava nada, nem dinheiro, nem deveres, nem responsabilidades. não por não querer ser cobrado, mas pq acreditava q não era assim q devia ser a fé, fora q não devia temer ninguém se fizesse alguma coisa q não era considerada certa.
hoje seguimos quem mais nos dá respostas, sim, todos acreditamos na mesmo coisa e sem fanatismo, sem obrigação de visitas periódicas e sem obrigações em geral.
vou ler o conto indicado, achei interessante o q você falou sobre ele.
Muito bem escrito. A temática é interessante. Principalmente quando você suscita a questão da literatura. Sou entusiasta dessa forma de arte. É com a literatura que a filosofia adentra na vida do "cidadão" comum, suavemente. Só tenho uma palavra acerca do escrito, parabéns.
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