sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Identidades secretas

Durante essa semana, conversava eu com um amigo sobre pessoas que trabalham em uma coisa durante o dia, mas à noite estudam ou lecionam assuntos totalmente diferentes. Como exemplo, analisávamos o cotidiano de um conhecido nosso, que no período diurno é um mero empregado de uma instituição bancária, e ao anoitecer assume a posição de professor para alunos que almejam dominar técnicas de produção literária. 

Na hora, me peguei a pensar nos super-heróis de histórias em quadrinhos. Para fazer uma comparação mais precisa com a vida real, o primeiro personagem que me veio à cabeça foi aquele que é considerado por muitos um indivíduo destinado ao público infantil, mas que na verdade possui uma complexidade de caráter ímpar. Trata-se do Homem-Morcego, mais conhecido pelo seu nome estrangeiro, Batman

Enquanto a luz do sol está presente, ele é o almofadinha dono de um império financeiro e muito conhecido em Gotham City, chamado Bruce Wayne. Suas tarefas como empresário são marcar presença em eventos sociais e reuniões, além de comparecer à sede de sua corporação. Quando anoitece e as pessoas "normais" estão dormindo, ele veste seu uniforme e combate o crime que assola sua cidade. 

Foi impossível não comparar com a vida que muitas pessoas que conheço levam. E, além da rotina deles, com a minha rotina. De dia, assumo meu posto de homem normal, trabalhador que batalha por seus dividendos mensais que sustentam suas necessidades básicas e materiais, além de colaborar para o crescimento econômico do país. Quando o sol se põe e as estrelas aparecem no céu, vou para a faculdade estudar literaturas que podem ser consideradas subversivas por alguns cristãos e xiitas, além de um idioma diferente da minha língua materna, que pode confundir meus inimigos. 

Pensando dessa maneira, até me sinto mais animado a assumir minha identidade secreta em meio a outras pessoas que levam uma vida considerada normal, já que nessa próxima semana retomo minha rotina de trabalho. Considerando que exerço essa função remunerada justamente pela necessidade financeira (seria um tipo de prostituição?), é até legal imaginar minha vida como a de um super-herói (mesmo, claro, não o sendo). 

Afinal, todos nós escondemos segredos, como já escreveu Alan Moore, sob o capuz, e tais mistérios é o que deixam nossas vidas mais interessantes. Como já dizia Bob Dylan: "À meia-noite todos os agentes e super-humanos saem e prendem qualquer um que saiba mais do que eles." 

Então, meus amigos, vamos à caça!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Baú empoeirado

Quem nunca voltou a algum lugar depois de muito tempo e lembrou-se de coisas esquecidas devidamente acopladas lá no fundo desse enorme baú empoeirado que é a nossa memória? Uma escola, um bairro onde passamos várias tardes jogando bola na rua com outras crianças, uma cidade na qual moramos por um longo tempo, mas que, depois de chegada a vida adulta, nunca mais voltamos, por falta de tempo ou até mesmo recursos.

Como é de praxe, todo ano, durante meu período de férias, levo meu pai para visitar o distrito no qual ele nasceu e cresceu. Fica localizado a apenas alguns quilômetros de onde minha família reside, mas aquela correria citada acima o impede de frequentá-lo regularmente. E muito me agrada levá-lo até lá, pois vejo que ele fica muito contente. Enfim, é uma maneira de sair de sua cansativa rotina.

Enquanto andamos por aquelas ruelas, sempre aparece algum amigo de infância que se surpreende por ele já ter três filhos crescidos, ao passo que dão muitas risadas enquanto relembram aqueles velhos e sofridos tempos, quando havia bem poucas mordomias, mas todo mundo era feliz.

Na última semana ocorreu a nossa visita remetente às minhas atuais e já quase findas férias. Quando estávamos quase para ir embora, pediu-me ele para darmos uma passada na casa de certa amiga. Eu nunca tinha ouvido falar nem mesmo a visto em toda a minha não tão breve existência, mas me senti como se já a conhecesse há anos, tal como se fosse uma tia que eu visitasse frequentemente.

Durante a conversa entre eles, que se baseou essencialmente em relembrar aquela saudosa mocidade, pude perceber o por quê de sentir-me em casa. Quando eram mais jovens, meu pai e mais uma turma de quatorze pessoas não saiam da casa dessa, hoje, senhora. Viravam madrugadas jogando baralho, batucando um samba, conversando, bebendo e fumando. No ano novo, e essa para mim foi uma coisa que me deixou muito surpreso, saiam fazendo serenatas até o amanhecer. 

Foi uma grata surpresa, pois jamais imaginaria meu pai fazendo esse tipo de coisa, já que hoje ele se apresenta em uma figura muito serena e sossegada. Foi um momento de satisfação recíproca, pois eu fiquei tão satisfeito em ouvir pela primeira vez essas histórias quanto ele, que as relembrava com alguém que também havia vivido aquilo. A frase que ela mais falou a cada história contada, olhando para mim: "Turma igual aquela não existe mais. Não havia maldade nenhuma entre nós"

Silenciosamente fui obrigado a concordar. Pelo menos eu não tenho nenhuma turma da qual me lembre com tanto carinho. Hoje, pelo que percebo, os laços de amizade são muito frágeis. Qualquer situação que seja um pouco mais difícil de contornar, um atrito, uma reles discussão, enfim, são situações que podem levar a um rompimento total de relações. O motivo? Não sei, tenho algumas teorias, e elas têm como base esse excesso de modernização que temos hoje. 

Antigamente o mundo era mais simples. Mesmo não tendo vivido nele, eu sei que se sentia muito mais prazer em encontrar com os amigos ali na praça para bater um papo despretensioso. Hoje em dia temos muita dificuldade em relacionarmos com o outro. Preferimos a solidão de nossos quartos e quando saímos na rua queremos mais é nos blindar na carapaça de fones de ouvido, devidamente acompanhados de um par de óculos escuros. É um tipo de aviso para todo aquele que tentar ultrapassar esse território demarcado de que não queremos conversa.

No caminho de volta, ficamos em silêncio na maior parte do tempo. Em alguns momentos observei o rosto de meu pai olhando para o horizonte, com o olhar de quem tirava a poeira de um velho toca discos para ouvir canções antigas. Não sei ao certo o que ele estava pensando. Talvez em como era feliz e sabia ou então naqueles amigos que já deixaram esse plano. Mas uma coisa é certa: mentalmente ele revivia, tal como numa velha fotografia, uma época, deveras, diferente dessa que pertence à minha geração. Uma época, com certeza, sem sombra de dúvida, mais humana. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Perdedores, ganhadores e os limites

Fazer exercícios físicos, praticar esportes, não levar uma vida sedentária. Todas essas regras fazem parte do cotidiano dos que habitam esse pequeno planeta. Por mais que as pessoas digam que não são vaidosas e pouco se importam com seu corpo, a prática regular de uma atividade física trás muitos benefícios, não apenas superficiais, como acabo de redescobrir. 

Digo isso porque, quando era mais jovem, jogava futebol quase todos os dias da semana. Depois, com a correria cotidiana, aderi ao cigarro e à cerveja, fiquei preguiçoso e, enfim, esqueci de como era prazeroso suar a camisa em uma quadra ou campo. 

Recentemente, conversando com uma amiga, dizia o quanto não gostava de frequentar academias. Aquele pessoal sempre bem disposto, com as mesmas músicas que nunca mudam, mais alguns marombados e marombadas se olhando no espelho em busca do tríceps perfeito e aquela sensação de competição me deprimem. 

Então, pensei: "Por que não começar a correr diariamente?". Sempre admirei aquelas pessoas que levantam cedo para fazer sua caminhada ou dar uma corridinha. Acho legal porque é você contra você. Não é preciso provar nada para ninguém. A cada aumento de distância percorrida, você comemora consigo mesmo e vê que está superando os seu limites. Sozinho. 

Para entrar nessa rotina, tive que me inspirar, como é de praxe, na literatura. Nos contos Fevereiro ou março, A força humana e Desempenho, Rubem Fonseca coloca como protagonista um halterofilista desencantado com o mundo que o cerca e que treina contra seus próprios limites. O mesmo contista aborda como personagem principal um aspirante a jogador de futebol profissional no conto Abril, no Rio, em 1970. Não obstante, este é um dos meus escritores prediletos. 

Agora, diariamente, coloco meus par de Adidas e bermuda velhos e vou até um parque aqui na cidade onde moro. Prefiro o período da manhã, pois daí o próprio dia rende muito mais. Consigo ler, escrever e estudar melhor acordando cedo. Essa corrida tem que ser regada a um bom punk rock, que é emitido por meus fones de ouvido em conjunto com o MP3 (é o apetrecho tecnológico que mais gosto). Esse estilo musical deve ser tocado por bandas que mantenham a pegada, para que o ritmo das passadas seja mantido. 

Ramones, Bad Religion e The Offspring fazem parte dessa playlist que remete aos idos de minha adolescência. Quando a corrida está chegando ao fim e eu já encontro-me quase no meu limite, não há nada que dê mais ânimo para seguir até o fim quando começa a tocar aquela saudosa música, devidamente provida de riffs simples, porém, poderosos. 

Ao final, quando há aquela parada para o alongamento, percebo que estou sorrindo. Intrigo-me. Uma brisa refrescante me diz que essa disputa interna é a mais saudável possível. Não tenho outra alternativa se não concordar com ela. Não houve perdedor. Não houve ganhador. Apenas alguém que superou certo limite.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A genial quadrinização de ideias

Como já cheguei a comentar no post intitulado Da boate para o bar, sou uma pessoa que tem por natureza apreciar o sossego proporcionado por uma mesa de bar. Lá, podemos encontrar pessoas de diferentes gabaritos e com conhecimentos que, durante um prazeroso bate-papo regado a uma moderada dose de cerveja (sim, eu disse moderada, bêbados de plantão), podem nos indicar coisas que não conhecemos, assim como dissertar sobre assuntos que são do nosso interesse.

E nesse último final de semana, como é de praxe, desembarquei em um boteco até então por mim desconhecido, em uma cidade vizinha ao vilarejo onde moro. E, confesso, passei um bom espaço de tempo trocando ideias com uma pessoa recém apresentada a mim sobre uma forma de arte que considero como uma das mais instigantes do mundo: as histórias em quadrinhos. Discutimos a sua grandeza em comparação ao cinema e à literatura, assim como algumas adaptações frustradas para o primeiro. Adoro o cinema, mas alguns diretores não percebem que certas obras são inadaptáveis e acabam por meter os pés pelas mãos.

Como já relatei em outras oportunidades, eu praticamente fui alfabetizado pelos gibis assinados por Maurício de Souza. Logicamente tinha meus personagens prediletos (Cebolinha e Chico Bento ainda estão no meu rol de indivíduos fictícios preferidos), mas a Turma da Mônica em geral preencheu a maioria das tardes de minha infância. Com o passar do tempo, essa trupe passou a dividir minhas atenções com os super-heróis das consagradas editoras americanas DC e Marvel. Hoje, leio mais quadrinhos editados pela primeira.

Aquele diálogo boêmio entre nerds me inspirou a comentar e recomendar não todas, mas apenas três das obras consideradas como primas que fizeram parte daquela pauta, bem como sobre seus autores e o por quê de serem consideradas como tal.

A primeira é Watchmen, roteirizada e desenhada pelos ingleses Alan Moore e Dave Gibbons, respectivamente. Trata-se de uma obra clássica, dividida em doze edições, que, na minha opinião, mesmo os que não têm o hábito de apreciar histórias em quadrinhos deveriam devorá-la. Watchmen é considerada um marco, a linha divisória que separa uma fase de outra, pois Alan Moore tornou algo que até então era infantilizado pela sociedade em uma forma de expressão complexa, que aborda temas políticos, sexuais, sociais e filosóficos. Sua inspiração veio ao perceber que ele havia crescido, mas as histórias em quadrinhos não cresceram na mesma proporção. Resumindo, Moore as colocou no seu devido e merecido lugar. A arte de Gibbons é competente ao ponto de termos a impressão de que câmeras estão nos mostrando as imagens idealizadas no roteiro. Watchmen foi pessimamente adaptada para o cinema pelo diretor Zack Snyder. Defino assim tal versão porque a considero uma das obras impossíveis de verter para a sétima arte. Para aproximá-la do impacto que a versão impressa proporciona, seriam necessárias por volta de cinco horas de filme, algo praticamente inimaginável.

Sandman é, sem sombra de dúvidas, a segunda colocada em minha lista, perdendo apenas por saldo de gols para a acima citada. Mundialmente conhecida e assim como a anterior considerada um divisor de águas das histórias em quadrinhos, essa saga tem roteiro e criação do genial Neil Gaiman, que idealizou o Senhor dos Sonhos, conhecido por vários nomes (Morpheus, Oneiros, Sonho), assim como também uma série de personagens místicos, que passados por suas mãos, ganharam não apenas vida, mas também carisma e personalidades próprias.  Lúcifer, Morte, Caim, Abel e Lucien são alguns exemplos clássicos dessas individualidades fictícias. Vale a pena conferir as suas setenta e cinco edições, facilmente encontradas para baixar na rede mundial de computadores ou para comprar, aí um pouco mais raramente, em sebos.

E, por último, foram discutidas as qualidades do roteirista e desenhista Frank Miller através de sua obra O Cavaleiro das Trevas. Esse americano deu uma visão próxima à violenta realidade em que vivem as maiores metrópoles do mundo a Gotham City, cidade do maior detetive do mundo: Batman. O Homem-Morcego também é apresentado com características igualmente brutais, causadas por esse cotidiano de luta contra o crime. O traço de Miller não apresenta nada de espetacular, pelo contrário. Mas seu roteiro é de fazer inveja a qualquer cineasta consagrado pelas maiores academias de cinema do mundo. Recentemente a editora brasileira Panini lançou uma luxuosa edição que contém tanto a primeira parte dessa saga como a segunda. Essa não é tão boa quanto a primeira, mas, para colecionadores e curiosos, vale a pena adquirir o volume.

Todos os autores acima citados possuem outras criações igualmente geniais. Eu poderia prazerosamente dissertar sobre elas para vocês, caros leitor e leitora, até não ter mais léxico ou conhecimento para defini-las. Mas aí viria à tona meu lado nerd chato. Consequentemente, vocês com certeza vestiriam seus uniformes noturnos, providos de identidades secretas e sairiam à noite com o intuito de caçar e espancar mais esse enfadonho e entediante vilão.

Donnerwetter! 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O fardo da escrita

Quando criei esse blog, minha intenção era bancar o jornalista. Sim, articular temas, como literatura, música, cinema, política, futebol, enfim, que fazem parte da minha vida e de todos os seres humanos que me cercam, bem como os que se encontram a distâncias maiores, como é o caso da maioria dos que aqui leem meus escritos.

Pois bem. Nesse tempo que passei e passo aqui, devidamente acomodado em minha desconfortável e velha cadeirinha, olhando para a tela do meu surrado e camarada notebook, descobri e descubro cada vez mais que escrever é doloroso. Não digo pela falta de ergonomia proporcionada pelo muquifo que é meu quarto, nada disso, eu gosto dele, abafado e desarrumado como é. Na verdade eu me refiro mesmo é ao ato de escrever.

Dizem que para ser escritor é preciso nascer com o dom da escrita. E quando digo escritor, englobo todos os que exercem de forma profissional ou amadora esse ofício, tais como romancistas, poetas, roteiristas, jornalistas, colunistas, blogueiros, enfim, até o técnico que escreve uma bula de remédio.

Bom, no meu caso, se venho aqui e escrevo gramaticalmente tudo (ou quase) de maneira correta, não é porque está no meu sangue ou nasci autodidata, mas sim porque, já nos idos da minha infância, lia muitas histórias em quadrinhos e até jornais. Depois, com o tempo, parti para leituras mais complexas e adquiri certo vocabulário.

Digo isso porque, como já foi mencionei acima, escrever realmente é um martírio. Minha criatividade é bem limitada para escolher ou criar um tema que possa parecer interessante aos meus seguidores. Muitas vezes fico muito preocupado com o próximo assunto a ser escrito. É a tal síndrome do papel em branco.

Navegando por esse universo chamado blogosfera, encontrei muitos escritores que demonstram ter muita facilidade para exercer a sua função devido à grande qualidade e quantidade de textos que expõem. Alguns são personalidades conhecidas do público em geral e outros agem de forma mais independente, sendo conhecidos apenas por quem atua no meio ou garimpa, de fato, informação de qualidade na internet.

Dos mais famosos, fico impressionado com a escrita de Humberto Gessinger, Joca Reiners Terron, Vanessa Barbara, Carol Bensimon, Tony Bellotto e Xico Sá. Dos menos conhecidos, delicio-me com Vanessa Bencz, Sentimental, Sérgio Dantas, Dama de Cinzas, Jorge Luiz Tavares, Jo e Camila. Todos parecem escrever com grande naturalidade, tão simples como se respirassem.

E, claro, há aqueles escritores que fazem e fizeram história por possuírem  imaginação e criatividade ímpares. Na minha lista estão (necessariamente nessa ordem) Rubem Fonseca, João Guimarães RosaEdgar Allan Poe, Neil Gaiman, Alan Moore, Raymond Chandler e outros e mais outros. 

O próprio Rubem Fonseca, por meio de suas personagens, sempre deixou claro que ser escritor é o pior dos ofícios, pois trata-se de um fardo pesado e solitário. Concordo com ele. E, até onde minha pífia criatividade lexical permitir, continuarei por aqui a carregá-lo.