segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Em busca de algo perdido

Estranho retornar a este espaço.

Desde 2014, quando escrevi e subi um texto sobre a Copa do Mundo vencida pela Alemanha, nunca mais coloquei os pés neste quartinho. De lá para cá, publiquei meu primeiro e até agora único livro de contos, além de ter saído do antigo emprego e ter me tornado professor, coisa que jamais imaginei, naquela época, que pudesse fazer. Hoje, sou doutorando em Estudos Literários e leciono alemão e literatura.

A única coisa que piorou de maneira considerável é minha conta bancária. Viver falando de regras gramaticais e de obras literárias não é das coisas mais rentáveis em território brasileiro. Porém, minhas qualidade de vida e satisfação com o que faço certamente evoluíram. Mesmo ganhando menos, talvez eu seja um ser humano melhor e mais feliz.

Outra coisa que mudou foi, por incrível que pareça, minha capacidade para escrever. Foi inclusive isso que me fez digitar na barra de navegação um endereço há muito não lembrado. Atualmente, escrevo, sem periodicidade definida, num portal de notícias da cidade onde moro. Num raro momento de folga, estava tentando fazer uma crônica e percebi como a coisa não andava.

A matéria-prima era boa, uma história que envolve paixão por ensinar, compartilhar conhecimento com pessoas que tiveram pouca instrução (espero conseguir voltar a ela). Lembrei desse bloguezinho, época em que escrevia sem medo e com vontade. Andava sempre com uma folha A4 dobrada no bolso e vivia anotando tudo o que via e ouvia freneticamente.

Acho que ter entrado para a academia e ter me tornado professor foram fatores que criaram certa insegurança. Há cinco anos, quando era mecânico montador de aeronaves, me esbaldava na escrita sem me preocupar com regras gramaticais ou formalismos acadêmicos. Era a válvula de escape para uma vida profissional frustrada. Agora, sinto que sou avaliado por alunos, professores e leitores o tempo todo. Mais apago frases do que escrevo. Tornei-me um obcecado por eliminar palavras repetidas. Do bloco de notas do celular ao caderno de papel, alterno métodos de escrita na esperança de garantir algum tipo de produtividade.

Voltando a este quarto de velharias e lendo alguns textos, percebi que o pouco de qualidade que eles tinham residia na minha vontade de falar sobre tudo e não no fato de escrevê-los num papel de pão ou em documento de Word. Estou em busca de algo perdido, coisa que eu talvez jamais saiba o que é.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O fim e o triste recomeço

E acabou. 

A tão esperada Copa das Copas chegou ao fim com a seleção mais merecedora do título como campeã. A Alemanha veio com jogadores completos que podem exercer várias funções dentro das quatro linhas e levou a taça pra casa. 

 
Assim como as gerações anteriores à minha falam com entusiasmo da seleção comandada por Sócrates, Cerezo, Falcão e Zico em 1982, sentirei-me igualmente grato em descrever a equipe de Lahm, Schweinsteiger, Kroos e Müller para quem não os viu em campo. 

Foi a prova de que trabalhar com seriedade, paciência, dedicação e humildade é o caminho para o sucesso. Sigo os campeonatos europeus apenas superficialmente, mas, a partir do próximo semestre, farei de tudo para acompanhar a liga alemã, o melhor futebol do mundo.

Os jogos, no geral, foram muito bons. Seleções consideradas "menores", como Chile, Colômbia, Costa Rica e Argélia protagonizaram grandes duelos e provaram que o futebol está mais globalizado do que nunca.

Daqui do meu quarto, vendo tudo pela televisão, parece-me que as coisas correram nos conformes, contrariando todas as expectativas. Embora vários estádios fiquem, a partir de agora, às moscas, foi legal vê-los lotados. Os gramados eram verdadeiros tapetes. As spidercams deram show. Nem parecia ser no Brasil.

A população brasileira fez muito bem seu papel de anfitriã, tornando possível um evento que prometia ser caótico. Como disse Antonio Prata, o povo brasileiro é muito melhor que sua seleção, um time de estrelas mimadas e pessimamente comandado por cartolagem e comissão técnica que superam todos os níveis da burrice. 

Felipão e Parreira conseguiram ofuscar os próprios títulos mundiais que conquistaram. Suas demissões foram necessárias, mas não suficientes. A CBF corre sério risco de ficar de fora da Copa de 2018. Os visitantes foram embora. Hoje recomeçam o Campeonato Brasileiro e suas quartas-feiras de jogos fracos e horários que atendem à televisão, fazendo idiotas como eu, doentes por futebol e cientes de seu fanatismo, irem pra cama tarde da noite.

Mal posso esperar.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O fim da presepada

Passadas algumas horas, muito já foi escrito sobre o massacre imposto pela Alemanha sobre a seleção da CBF. Particularmente, como brasileiro, fiquei muito contente com o resultado. Não poderia ter sido melhor. Uma verdadeira aula de futebol. Vibrei a cada gol como se fosse marcado pelo São Paulo Futebol Clube. Toni Kroos, Thomas Müller, Philipp Lahm e companhia apresentaram um espetáculo memorável, do qual me lembrarei pelo resto da vida.

 
Durante essa Copa, o único time pelo qual nunca cogitei torcer foi o comandado pelo ultrapassado e prepotente Luiz Felipe Scolari, técnico chucro e sem classe que, acompanhado do igualmente patético Carlos Alberto Parreira, não aceita críticas ao seu trabalho. E não fui o único. Vi crescer nas timelines e blogs o montante de torcedores que não se simpatizavam com o selecionado brasileiro. 

Muitos criticam e questionam essa atitude. A grande parte deles são torcedores de ocasião, patriotas com suas camisas da Nike de trezentos reais que cantam a irritante música do "muito orgulho e muito amor". Já estava na hora dessa presepada acabar.

"Mas você é brasileiro, tem que torcer pelo Brasil!". Eu torço pelo Brasil. Quero que a educação e a saúde pública melhorem. Orgulho-me de ter nascido no mesmo país de escritores como João Guimarães Rosa, Rubem Fonseca e Carlos Drummond de Andrade.

Mas jamais torcerei para Neymar, um jogador movido pelo marketing, com seu rosto estampado em todo e qualquer canto, que num jogo de extrema importância se preocupa em mostrar a cueca com a estampa de seu patrocinador, que faz de sua fratura na coluna uma oportunidade de se expor ainda mais na mídia, que finge choro ao cantar o hino de seu país. 

Não serei a favor de David Luiz e sua maldita cara de mal, jogador desconhecido por grande parte dos torcedores sazonais. Sua cabeleira pode dar ibope, mas não ganha jogo, meu amigo.

Não torcerei para um time arrogante que confia apenas no peso histórico de sua camisa, achando que por conta dessa suposta mítica pode ganhar qualquer jogo. Um bando cujo capitão, Thiago Silva, não tem o mínimo controle emocional nem perfil para ocupar essa função.

Uma seleção gerida por cartolas corruptos que só agem de acordo com seus interesses, montando calendários absurdos para atender a mídia televisiva. Espero que José Maria Marin esteja queimando no inferno que previu caso perdesse essa Copa de gastos exorbitantes e estádios que ficarão às moscas após seu término.

A seleção alemã mostrou como vencer com classe. Mesmo ganhando com placar elástico, em nenhum momento fizeram firulas individuais para humilhar seu adversário. Jogaram de maneira correta, trocando passes sempre em direção ao gol. Se fosse o contrário, certamente Neymarketing e sua trupe tentariam ridicularizar seus adversários com canetas e lençóis desnecessários.

Provou-se que o "jeitinho brasileiro" está mais do que ultrapassado. Espero que essa derrota mais do que justa sirva para que se reflita a respeito da bagunça na qual nosso futebol está metido. Talvez seja o caminho para que um dia eu volte a ter motivos para torcer pela camisa da CBF.

domingo, 29 de junho de 2014

Excessivo e barulhento, "O Lobo de Wall Street" é mais um belo trabalho da dupla Scorsese e Di Caprio

Demorou, mas finalmente cheguei ao filme O Lobo de Wall Street, dirigido por Martin Scorsese. E me arrependo por ter levado tanto tempo para vê-lo.

Muito já foi escrito a respeito, mas não custa nada lembrar. O filme é uma adaptação das memórias de Jordan Belfort, expostas nos livros O Lobo de Wall Street e A Caçada ao Lobo de Wall Street, nos quais ele relata as práticas corruptas que o levaram a ser detentor de uma gigantesca fortuna no fim dos anos 80, fato que lhe rendeu o apelido de Lobo. Logicamente que, ao subir na vida de maneira tão meteórica, Belfort chamou a atenção das autoridades, mais especificamente do FBI.


A tarefa de transformar essas quase mil páginas em roteiro de cinema foi dada a Terence Winter, criador da série Boardwalk Empire, da HBO. Ele e Scorsese já haviam sido parceiros no seriado e Winter fez, mais uma vez, um grande trabalho.

A atuação de Leonardo Di Caprio, que interpreta o milionário viciado em drogas e sexo, é monstruosa. O ator passeia na pele do Lobo e faz com que vislumbremos o que é ser um profissional completo, que pode estar em qualquer elenco. 

Falando em artista completo, Matthew McConaughey participa de pouco mais de dez minutos do filme, o que é uma pena, pois, mesmo em tempo tão curto, ele mostra o motivo pelo qual é um dos melhores atores da atualidade.

O blues, parte do gosto musical de Scorsese, dá o tom da trilha sonora, com nomes como Elmore James, Howlin' Wolf, John Lee Hooker e Bo Didley. O som empolgante das canções e o ritmo frenético no qual o filme é narrado faz com que não sintamos suas quase três horas de duração. 

Além do humor ácido e do absurdo que envolvem as cenas, pode-se notar a crítica a um sistema financeiro inescrupuloso. Di Caprio/Belfort cheira quilos de cocaína, bebe litros de uísque, joga dinheiro ao vento e transa com prostitutas de luxo com a voracidade que só o capitalismo selvagem pode instigar, enquanto pessoas comuns dependem do transporte público na volta para casa depois de um exaustivo dia de trabalho.

Excessivo e barulhento, O Lobo de Wall Street é mais um belo trabalho da dupla Scorsese e Di Caprio. Que venham outros.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Ave, palavra!

Por esses dias, estudando inglês, deparei-me com um desses textos aos quais normalmente não damos muito valor ao seu significado, já que o maior interesse ali é decifrar as palavras de um idioma que não nos é materno.

Suponho que eu tenha me atentado ao que aquela pequena crônica queria dizer por se tratar de um tema que me é caro. Se olharmos para a frase abaixo do título deste blog, veremos o breve período "anacronismos modernos escritos manualmente". Sim, prezo muito pelo ato de escrever, principalmente se ele for executado com caneta em punho e não com as modernas e suaves teclas de um computador. E era justamente sobre isso que aquele pequeno texto em língua inglesa falava.

Em tempos de redes sociais que exigem uma comunicação cada vez mais rápida e abreviada, as palavras têm perdido o seu valor. Elas, justo elas, que já foram tão valorizadas nas mãos de gente como Guimarães Rosa, agora são maltratadas por pessoas que não querem entender seu mecanismo correto, a chave correta para apertar o parafuso e montar uma estrutura de maneira firme e convincente.

Voltando ao texto. Seu autor unknown salientava que, em testes para se conseguir emprego, as pessoas viam-se num mato sem cachorro ao se depararem com uma caneta e uma folha em branco, já que há muito não exerciam aquela atividade que lhes parecia tão primária, função que foi deteriorada por um mundo veloz e exigente. Escrever é primário, mas, dentre os exercícios mais simples, mostra-se um dos mais complexos.

Em meu trabalho, vejo engenheiros que entendem muito do produto fabricado, mas pouco sabem sobre escrever um texto simples. Os e-mails são vergonhosos, com erros que passam despercebidos por esses profissionais que deveriam dar exemplo de bom domínio de seu idioma. Pergunto-me a todo o momento como essas pessoas chegaram aos cargos que ocupam se não conseguem nem elaborar um relatório de maneira clara. É absurdamente triste.

Em uma empresa com fins quase que totalmente capitalistas, fica claro que a ciência da escrita, a principal ferramenta comunicacional da humanidade, está em último plano. Os lucros continuam altos. O dinheiro em caixa é abundante. Mas de que adiantam tantas cifras se aqueles que dão lucro não conseguem traduzir seu dividendos em palavras?

Em um mundo de tantos lucros, esse texto desprovido de imagem que escrevo, agora percebo, soa, no mínimo, idiota.

Ave, palavra!

sábado, 8 de março de 2014

A sina de J. J. Gittes

Um detetive, especializado em investigar e flagrar adultérios, é contratado por certa senhora para investigar seu marido, que supostamente teria outra mulher. O problema é que o objeto da investigação, Holis Mullray, é posteriormente encontrado morto e a dama que contratou os serviços de J. J. Gittes não era a verdadeira mulher do falecido. Holis fazia parte de uma empresa que monopolizava a distribuição de água na cidade, numa época de muito calor e seca que levavam os rios a baixos níveis. Ao começar a investigar o caso, Gittes será levado a um destino que jamais imaginaria para si. 

Essa complexa trama é o que compõe o filme Chinatown, de 1974, dirigido por Roman Polanski. A década de 1930 é colocada como pano de fundo, tendo como cenário a cidade de Los Angeles, com uma misteriosa femme fatale interpretada por Faye Dunaway, completando assim os ingredientes necessários para caracterizar um filme no estilo noir. 

Ao contrário dos personagens freneticamente loucos pelos quais Jack Nicholson tornou-se conhecido, aqui o vemos como o detetive de fala macia Gittes, mostrando o motivo pelo qual é considerado um monstro do cinema mundial. 

Assim como nos romances policiais de Raymond Chandler, nos quais o investigador é o detetive do acaso Philip Marlowe, a trama é complexa e nos leva um mundo dominado por gângsteres que se utilizam de poderosos tentáculos políticos além de violento braço armado formado por impiedosos capangas. 

O detetive Gittes parece lutar contra as lembranças de um passado inquietador que remete à sua época na polícia da chinatown de Los Angeles. No desfecho da narrativa, Polanski mostrará que nem sempre podemos fugir de nossas sinas.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Jack London e as lendas do submundo

Texto publicado no Homo Literatus em 7 de fevereiro de 2014.


Conhecido por ter escrito O Lobo do Mar, Jack London incorpora seus conceitos filosóficos e evolucionistas nos cinco contos sobre boxe que integram o volume  Nocaute, editado pela Benvirá. Em cada história, os lutadores são apresentados como brutamontes destruidores e complexos que não conseguem se adaptar ao mundo em que vivem.

Longe de serem malévolos, personagens como Tom King, protagonista do conto “O bife“, não levam suas lutas para o lado pessoal. Soado o último gongo, nenhuma mágoa por narizes ou queixos partidos ultrapassa as cordas do ringue.

O ringue é o habitat natural de homens como Joe. Quando abre a boca com a intenção de transformar pensamentos em frases, ele mostra porque é o exímio pugilista reconhecido por todos. Homem delicado e com feições de menino que, frente a seu adversário, libera a fera escondida em seu íntimo.

Ferocidade é a principal característica que a imprensa dá a esses homens introspectivos. Pat Glendon, de “A Fera do Abismo“,  é um homem grande, forte e de coração puro, criado por seu pai nas montanhas, isolado da corrupção que assola o mundo. Seu genitor o moldou para lutar com velocidade, inteligência e frieza. Os adversários que Pat encontra no ringue não são páreos para seus punhos. Seu pior inimigo, na verdade, eram os agentes e empresários que manipulavam os resultados dos duelos.

O sistema corrupto de uma sociedade também corrupta é o pior inimigo de Carter Watson, sociólogo em busca de “experiências sociais”. Praticante de boxe nas horas vagas, ele não desfere seus socos contra os sujeitos simplórios que o agrediram como vingança, mas com o objetivo de atingir aqueles que o julgam por leis confusas e absurdas.

“Não era o primeiro filho da humanidade a fazer sucesso num ofício que detestava.” Essa é a essência de Rivera, mexicano de poucas e cortantes palavras, possuidor de olhos de tigre que transbordam selvageria. Rivera detesta o boxe. Luta por uma causa ideológica e para matar sua fome.

Para quem é fã de filmes como Rocky, Menina de Ouro e Touro Indomável, Nocaute é leitura obrigatória. Jack London mostra ser dono de uma narrativa hábil para descrever os mínimos detalhes que ocorrem numa luta. Minúcias essas que só podem ser percebidas pelos lutadores, que a cada soco desferido e golpe recebido tentam manter-se dignamente em pé e sair como vencedores de lutas que podem defini-los como lendas do submundo.

Nocaute
Jack London
Benvirá