domingo, 29 de abril de 2012

A brutalidade do tempo

Nas narrativas, de acordo com os escritos do francês Gérard Genette, os avanços e recuos temporais podem ser classificados como prolepses e analepses, respectivamente. Em contos ou romances, o narrador é o senhor do seu tempo, podendo ele modificá-lo conforme desejar, envelhecendo, melhorando, amadurecendo ou fazendo com que suas personagens estejam em melhor ou pior situação, em um período do passado, presente ou futuro.

O tempo é igualmente um agente modificador de espaços. Os escritores podem construir lugares fechados ou abertos, descrevendo-os como aconchegantes, portadores daquela penumbra a que todo ser humano é simpático, ou opressores quartos fechados, escuros, com outros espaços igualmente asfixiantes, como um aquário que impede seus peixes de nadarem livremente por águas desconhecidas ou gaiolas que impeçam que seus moradores voem e descubram o mundo por entre as nuvens.

Mesmo uma personagem, quando aprisionada a um espaço por um longo tempo, sente-se contrariada ou mesmo perto da loucura, como no caso do prisioneiro apresentado no clássico conto O poço e o pêndulo, da autoria de Edgar Allan Poe, que perde a noção do tempo no qual fica aprisionado, tendo apenas a visão da lâmina que se balança mórbida e lentamente ao encontro do seu corpo amarrado a uma mesa, sendo esse tempo uma forma  brutal de castigo ao seu psicológico. O tempo pode ser mais violento que a mais sangrenta agressão corporal, seja ela animal ou humana.

Mas e na vida real? Como reagimos às mudanças desse monstro que faz nos aproximarmos cada vez mais daquela que nos dará o derradeiro abraço? Antes de chegarmos à tão almejada idade dos dezoito anos ou à própria vida adulta, quando imaginamos (erroneamente?) que adquiriremos uma independência utópica, queremos acelerar o tempo, escrever a virar rapidamente as páginas que nos restam para chegar a esse estágio. Quando completamos esse bendito número de anos, ficamos sem saber o que fazer com eles. Podemos dirigir, mas muitas vezes não se tem o veículo. Para comprá-lo, trabalho é necessário. E para juntar a quantia capital adequada, mais tempo terá de passar.

Chegada a vida adulta, queremos voltar as páginas de nosso livro. Lembramo-nos saudosamente da época em que era necessário apenas ir à escola, sem a responsabilidade de trabalhar e buscar um lugar mais confortável ao sol. Sentimos saudades de bandas que fizeram sucesso em um tempo que não vivemos. Abominamos a nova música que o tempo nos trouxe. Cabelos caem e ficam brancos, a pele adquire uma textura flácida, inúmeras limitações são apresentadas ao já não atlético corpo. Como é bela a juventude!

Queremos que o tempo corra para chegar ao fim de semana ou data marcada para uma viagem, festa, compromisso, condecoração, show, para que uma aula cansativa ou turno de trabalho acabem e assim possamos sair do confinamento proporcionado pela sala de aula ou escritório. Imploramos que ele pare quando estamos a conversar com amigos, naqueles momentos íntimos com a pessoa amada, durante um show inesquecível, quando lemos um livro magnífico ou assistimos a um filme emocionante e empolgante.

Afinal, o que queremos da vida? O que queremos do tempo? Que ele corra? Ande? Engatinhe? Arraste-se? Se há um senhor do tempo, com certeza sua tarefa é das mais ingratas, dada a quantidade de insatisfeitos. Talvez, a única e absoluta certeza, é que a raça humana queira que o tempo passe sem deixar  vestígios, sem tirar o que lhe dá prazer e seja brando em seus efeitos.

domingo, 22 de abril de 2012

"I drive"

Uma das coisas que mais gosto ao assistir filmes é a possibilidade de poder fazer ligações com outros mais clássicos. Não que o longa recentemente assistido tenha obrigatoriamente uma intrínseca relação com os outros. Essas pontes, na realidade, sou eu, mero e amador espectador, que me atrevo a fazer com filmes dos quais gosto muito e assisto infinitas e repetidas vezes.

Inspirado pela resenha intitulada "O cowboy americano dos anos 80 ressurge nas ruas de Los Angeles", escrita pela blogueira Patrícia Ströher, fiquei semanas a esperar ansiosamente pela chegada de Drive, dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, ao cinema de minha cidade. E, de fato, o filme correspondeu a todas minhas expectativas, principalmente no que diz respeito ao fato de ele parecer uma colcha de retalhos muito bem costurada, unindo vários gêneros.

A atuação de Ryan Gosling me fez lembrar dos personagens interpretados por Clint Eastwood: poucas palavras, expressão inabalável e um jeito calmo que se transforma repentinamente em uma explosão violenta incitada por vingança. Quando perguntado sobre sua profissão, a resposta é simples: "I drive". Mais precisamente, comparei o motorista da Los Angeles ao matador William Munny, protagonista do grande faroeste Os Imperdoáveis, que só mostra sua face obscura ao final da trama, quando vê o cadáver de seu melhor amigo brutalizado.

A cena de perseguição de carros me fez sentir saudades de um filme que já é uma homenagem aos longas de perseguição automotiva e dublês: À prova de morte é, em minha opinião, um dos melhores filmes de Quentin Tarantino - que já é meu cineasta favorito. Assim como o lunático Stuntman Mike, interpretado por Kurt Russel, o protagonista de Drive também exerce a função de dublê.

E, por haver uma mala com milhares de dólares em seu poder, ele é vítima de uma alucinante caçada. Foi impossível não lembrar da trama envolvendo os personagens de Onde os fracos não têm vez, dos irmãos Cohen, em que a brutalidade de um psicopata persegue todo aquele que detém uma certa bolsa igualmente recheada de "verdinhas".

Não obstante, além de todos os atrativos já mencionados, a história se passa nas ruas de Los Angeles, a cidade das melhores narrativas policiais americanas, escritas magistralmente por escritores - os quais possuo alguns volumes literários - como Raymond Chandler, James Ellroy e Thomas Pynchon. Será qualquer semelhança mera coincidência?

Quando gosto muito de um filme, costumo comprá-lo logo que é lançado em DVD para compor minha pequena, porém divertida estante. Drive já está incluso em minha lista de compras a serem realizadas.

Recomendo fortemente, aliás.

domingo, 15 de abril de 2012

O traço poético de Moon e Bá

Que sou um amante incondicional da nona arte, não é segredo para ninguém que acompanha esse espaço. É difícil haver algum post no qual eu não me refira à ela, citando obras e autores, fazendo pontes com outras formas de manifestação artística. Nesse semestre, como já foi escrito por aqui, estou às voltas com a poesia. Então, procuro enxergar em tudo que leio ou visualizo resquícios da dita cuja. Uma das perguntas que mais venho escutando é: "a poesia existe nos fatos?".

Comecei a ler essa semana a premiada HQ dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá intitulada Daytripper. Como é de praxe, introdutoriamente são mostrados alguns fragmentos de artigos escritos por variados e renomados jornalistas. E achei bem interessante o depoimento de um deles, que dizia serem os irmãos, até há poucos dias, dois jovens andando por aí com um portfólio embaixo do braço e agora são possuidores de uma obra-prima. 

Em expor essa poesia presente no cotidiano, essa dupla é muito boa. São verdadeiros poetas-quadrinistas, fazendo com que cada traço ali desenhado, baseado em um simples roteiro, possua toda a complexidade e sutileza que um gesto humano possa ter. Para quem não sabe, todo sábado, no caderno  Ilustrada, da Folha de S. Paulo, eles produzem tiras igualmente profundas, literariamente falando, em que mostram seres humanos com suas fúteis manias egocêntricas e materialistas sendo reprimidos por lições dadas por animais, tal como nas fábulas de Esopo (para quem não costuma ler o diário impresso, confira em http://10paezinhos.blog.uol.com.br/).

Comparo o modo como esses fazedores de imagem trabalham ao dos poetas, os quais atualmente estou conhecendo e me surpreendendo, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, que faziam poesia perfeitamente cientes do que estavam escrevendo. Cada rima, palavra, entonação, sibilar, enfim, tudo fazia sentido, pois eram conhecedores não só de obras prontas, mas de teorias também, assim como fazem os irmãos cartunistas com seus traços.

Estou relendo algumas edições de minha coleção de gibis, que remetem a quando lia mensalmente tudo que era lançado no famoso "circuitão pop". Difícil enxergar a mesma poesia nos belos traços de artistas como Graham Nolan (Batman) e Mark Bagley (Homem-Aranha). Muito por causa dos roteiros que, agora, na minha visão adulta, parecem-me descartáveis, interessados apenas na vendagem. Nem escuto falar dos roteiristas daquela época. Acompanhei sagas que são pouco lembradas por críticos de histórias em quadrinhos, dada a pobreza literária dos articuladores que as escreveram.

Pensando em tudo isso, peguei-me a imaginar um mundo utópico, em que eu encontraria graphic novels intituladas "Morte do leiteiro" e "Morte e vida severina": na lombada de cada luxuosa e encadernada edição, estariam impressos os nomes dos respectivos poetas que criaram tais obras, seguidos dos de Moon e Bá, desenhistas sensíveis a esse tipo de roteiro. 

Utilizando-me do atual jargão das redes sociais, fica a dica para projetos desse tipo, não somente aos já consagrados artistas, mas também a aqueles que se julgam talentosos desenhistas de traços poéticos, capazes de mostrar a tal poesia que está ligada aos fatos do nosso sofrido cotidiano.

domingo, 8 de abril de 2012

Uma arte menor

Friends, The Big Bang Theory, Community, Twin Pix, CSI, Law and Order, The Good Wife. Hoje em dia, um dos assunto mais abordados entre amigos e pessoas em geral, e sobre o qual fico sempre a boiar, são as tais séries televisivas. Listei algumas das quais mais ouço falar. Confesso que esporadicamente já vi um episódio ou outro, apenas de passagem pela sala. 

Há para todos os gostos, idades, gêneros e interesses. Algumas são bem populares, outras mais cult ou de abordagem polêmica, instigante, diferente do normal. Muitos dos indivíduos que as acompanham baixam suas temporadas antes mesmo de serem anunciadas na TV, tamanha é a ansiedade. Acho isso uma coisa meio que bizarra, pois nunca consegui seguir nenhum desses enlatados.

Os motivos são vários. Acho que minha curta paciência seria o primeiro deles. Já tentei começar a assistir algumas, como House e Dexter. Confesso que acho a temática de ambos bem interessante. Um médico genial que sofre com um problema crônico em sua perna causado por uma necrose muscular, que o levou a ser dependente de analgésicos. Um fotografo que faz retratos de cenas onde aconteceram assassinatos hediondos, que tem como "hobby" esquartejar os que cometeram aqueles crimes (vejam bem, são apenas análises superficiais). O problema é que depois de alguns episódios (quatro, no máximo), acabo por perder o interesse. Na verdade encontro outras coisas que julgo mais importante fazer do que ficar plantado em frente à TV por cerca de uma hora, sendo que isso me obrigaria a repetir tal rito inúmeras vezes para saber o final da trama.

Um outro motivo talvez seja a escassez de tempo disponível. Durante o ano tenho alguns compromissos que ocupam boa parte dos meus dias. Trabalho, faculdade, aulas particulares, enfim, coisas que se fazem necessárias em nossas vidas, pois achamos que trarão algum tipo de resultado concreto no futuro. Aí vocês me perguntariam: "Mas e quando você está em casa?". E eu responderia: "Prefiro a literatura, as histórias em quadrinhos e o cinema, necessariamente nessa ordem de preferência."

Em uma das poucas entrevistas que acompanhei esse ano no programa Roda Viva, da TV Cultura, a qual já citei nesse espaço anteriormente, fui obrigado a concordar com a tese do maior magnata da televisão brasileira. Quando perguntado sobre o por quê das séries brasileiras não fazerem tanto sucesso quanto as estrangeiras, Boni respondeu que os assuntos abordados pelas tupiniquins não eram bons, que os diretores deveriam se voltar para a literatura brasileira e fazer adaptações de suas obras. 

Concordei e concordo plenamente. Seria, além de uma baita e genial sacada para aqueles que gostam de livros, uma forma de despertar o interesse daqueles que nunca tiveram  oportunidade ou interesse de conhecê-los. As adaptações não precisam ser necessariamente fiéis à época em que as obras foram escritas. Cada roteirista poderia dar sua visão, desde que não corrompesse a história original.

Um bom exemplo disso é Sherlock, uma série inglesa que adapta as histórias detetivescas escritas por Sir Arthur Conan Doyle em um universo contemporâneo e moderno. E, particularmente, foi feita para mim, pois possui três episódios por temporada. Que sirva de exemplo para os produtores desse gênero que, para mim, comparada às três formas acima citadas, ainda é uma arte menor, reflexo de um tempo em que ideias são modificadas a cada cinco segundos.

domingo, 1 de abril de 2012

A doença da meia-noite

Semana passada, no caderno dedicado às letras, denominado Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo, saiu uma matéria que tratava dos bloqueios de inspiração que acometem muitos escritores. Foram expostos depoimentos de velhos de guerra como Lygia Fagundes Telles, Paulo Lins e Lourenço Mutarelli, que falavam do desespero que sentiam ao se depararem com a famosa "doença da meia-noite", assim denominada tal falência criativa por Edgar Allan Poe.

Depois que resolvi me meter a blogueiro/escritor (vejam bem, não estou me comparando em talento e muito menos no que diz respeito à importância dos autores acima citados), essas tais "síndromes do papel em branco" vivem por me assaltar. Lógico que não sou o único a sofrer disso. Algumas pessoas possuidoras de blog com as quais mantenho contato também compartilham de tal problema. É complicado. A cada texto que sai há um alívio interno, aquela sensação de dever cumprido, ufa, consegui, não sei se com qualidade, mas está lá. 

Porém, para um espaço como esse manter-se vivo, é necessária a regularidade de postagens dignas de leitura e assuntos que sejam interessantes. Minha intenção era sentir-me como um jornalista, que escreve em sua coluna semanal sobre temas atuais ou pertinentes à sua área de atuação, cujas opiniões e pensamentos formassem outros, inspirassem conversas de bar, criação de novos textos, debates, enfim, um sonho.

Imagino esse problema para quem deve satisfações a alguma editora, que cobra por prazos. Romancistas que empacam em certo momento de sua trama, quando não conseguem mais imaginar algum tipo de destino para suas personagens. Admiro aqueles que possuem uma inesgotável fonte criadora em suas mentes, que jorram ideias, não importando dia ou hora, assim como o falecido e imortalizado Moacyr Scliar, que sacava seu notebook, acomodava-o em seu colo e disparava sua metralhadora de criações literárias com munição infinita até mesmo em movimentados saguões de aeroportos, à espera do seu voo atrasado. 

De fato, para mim, mero mortal, é um momento de suprema alegria quando algum assunto liga minha lâmpada mental que me põe a escrever aqui sobre tal tema. Hoje, a falta de criatividade ironicamente fez com que eu me inspirasse a escrever sobre ela. Feitiço contra feiticeiro. Mas e amanhã? Estarei eu apto a cumprir com essa tarefa imposta por mim mesmo? Que o espírito de algum mito da inspiração possa acometer o meu ser e transformar meus pensamentos em palavras, que aqui, com certeza, serão prazerosamente expostas.

Até.