Nas narrativas, de acordo com os escritos do francês Gérard Genette, os avanços e recuos temporais podem ser classificados como prolepses e analepses, respectivamente. Em contos ou romances, o narrador é o senhor do seu tempo, podendo ele modificá-lo conforme desejar, envelhecendo, melhorando, amadurecendo ou fazendo com que suas personagens estejam em melhor ou pior situação, em um período do passado, presente ou futuro.
O tempo é igualmente um agente modificador de espaços. Os escritores podem construir lugares fechados ou abertos, descrevendo-os como aconchegantes, portadores daquela penumbra a que todo ser humano é simpático, ou opressores quartos fechados, escuros, com outros espaços igualmente asfixiantes, como um aquário que impede seus peixes de nadarem livremente por águas desconhecidas ou gaiolas que impeçam que seus moradores voem e descubram o mundo por entre as nuvens.
Mesmo uma personagem, quando aprisionada a um espaço por um longo tempo, sente-se contrariada ou mesmo perto da loucura, como no caso do prisioneiro apresentado no clássico conto O poço e o pêndulo, da autoria de Edgar Allan Poe, que perde a noção do tempo no qual fica aprisionado, tendo apenas a visão da lâmina que se balança mórbida e lentamente ao encontro do seu corpo amarrado a uma mesa, sendo esse tempo uma forma brutal de castigo ao seu psicológico. O tempo pode ser mais violento que a mais sangrenta agressão corporal, seja ela animal ou humana.
Mas e na vida real? Como reagimos às mudanças desse monstro que faz nos aproximarmos cada vez mais daquela que nos dará o derradeiro abraço? Antes de chegarmos à tão almejada idade dos dezoito anos ou à própria vida adulta, quando imaginamos (erroneamente?) que adquiriremos uma independência utópica, queremos acelerar o tempo, escrever a virar rapidamente as páginas que nos restam para chegar a esse estágio. Quando completamos esse bendito número de anos, ficamos sem saber o que fazer com eles. Podemos dirigir, mas muitas vezes não se tem o veículo. Para comprá-lo, trabalho é necessário. E para juntar a quantia capital adequada, mais tempo terá de passar.
Chegada a vida adulta, queremos voltar as páginas de nosso livro. Lembramo-nos saudosamente da época em que era necessário apenas ir à escola, sem a responsabilidade de trabalhar e buscar um lugar mais confortável ao sol. Sentimos saudades de bandas que fizeram sucesso em um tempo que não vivemos. Abominamos a nova música que o tempo nos trouxe. Cabelos caem e ficam brancos, a pele adquire uma textura flácida, inúmeras limitações são apresentadas ao já não atlético corpo. Como é bela a juventude!
Queremos que o tempo corra para chegar ao fim de semana ou data marcada para uma viagem, festa, compromisso, condecoração, show, para que uma aula cansativa ou turno de trabalho acabem e assim possamos sair do confinamento proporcionado pela sala de aula ou escritório. Imploramos que ele pare quando estamos a conversar com amigos, naqueles momentos íntimos com a pessoa amada, durante um show inesquecível, quando lemos um livro magnífico ou assistimos a um filme emocionante e empolgante.
Afinal, o que queremos da vida? O que queremos do tempo? Que ele corra? Ande? Engatinhe? Arraste-se? Se há um senhor do tempo, com certeza sua tarefa é das mais ingratas, dada a quantidade de insatisfeitos. Talvez, a única e absoluta certeza, é que a raça humana queira que o tempo passe sem deixar vestígios, sem tirar o que lhe dá prazer e seja brando em seus efeitos.
Eu tinha um sério problema com o tempo, hoje não tenho mais, prefiro mesmo q ele não passe, na verdade, prefiro até q se arraste, assim não perco nada e nem ninguém.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, eu gostei muito!
ResponderExcluirDe fato, nossas dúvidas em relação ao tempo são cruéis. Quando somos jovens, visamos à maioridade por acreditar nas 'promessas' daquela; no entanto, ao atingirmos esse estágio, percebemos o quanto mais poderíamos ter feito na juventude. Então nos tornamos carrancudos e descontentes com o andar do tempo, e nos esquecemos do agora, que está em nossas mãos.
Deixo aqui o trecho de uma reflexão de Sêneca, um filósofo da Antiguidade, do qual prontamente me lembrei enquanto redigia o comentário:
"Podes me indicar alguém que dê valor ao seu tempo, valorize o seu dia, entenda que se morre diariamente? Nisso, pois, falhamos: pensamos que a morte é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado.
[...] Então, caro Lucílio, procura fazer aquilo que me escreves: aproveita todas as horas; serás menos dependente do amanhã, se te lançares ao presente. Enquanto adiamos, a vida se vai. Todas as coisas, Lucílio, nos são alheias, só o tempo é nosso."
Abraço
O tempo, a passagem dele, o tempo da memória e do esquecimento é um assunto caro a muitos dos grandes escritores. Principalmente aqueles tidos como difíceis como Proust e Borges, que ainda lerei.
ResponderExcluirBelo texto, Murilo. Já comentei aqui que sua escrita é muito limpa,clara, e a reflexão que você propõe é sempre necessária. Que é que queremos do tempo? Penso nisso constantemente.... Abraços.
eu particularmente faço parte do grupo dos insatisfeitos, quero que o tempo ande, corra, pare, volte ... é um simpático algoz. pai e padrasto.
ResponderExcluirApesar de se tratar de uma questão não resolvida, é impossível negar a clareza de suas ideias expostas nesse texto. A insatisfação relacionada ao tempo é uma assunto que envolve um complexo paradoxo. Trata-se de uma dimensão que não sabemos ao certo como medir, pois muitas vezes achamos que o tempo passou rápido, mas ao mesmo tempo algumas coisas aconteceram lentamente. Ficamos afoitos pela chegada de uma data, porém ela passa com tanta rapidez que mal nos damos conta daquilo que passou, já não tem mais a mesma importância. Tempo, estará a nosso favor ou brutalmente contra nós?
ResponderExcluirGosto muito dos seus textos, sempre nos levam a uma reflexão profunda. p.s.: Imagem super condizente.
Abraços.