sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Baú empoeirado

Quem nunca voltou a algum lugar depois de muito tempo e lembrou-se de coisas esquecidas devidamente acopladas lá no fundo desse enorme baú empoeirado que é a nossa memória? Uma escola, um bairro onde passamos várias tardes jogando bola na rua com outras crianças, uma cidade na qual moramos por um longo tempo, mas que, depois de chegada a vida adulta, nunca mais voltamos, por falta de tempo ou até mesmo recursos.

Como é de praxe, todo ano, durante meu período de férias, levo meu pai para visitar o distrito no qual ele nasceu e cresceu. Fica localizado a apenas alguns quilômetros de onde minha família reside, mas aquela correria citada acima o impede de frequentá-lo regularmente. E muito me agrada levá-lo até lá, pois vejo que ele fica muito contente. Enfim, é uma maneira de sair de sua cansativa rotina.

Enquanto andamos por aquelas ruelas, sempre aparece algum amigo de infância que se surpreende por ele já ter três filhos crescidos, ao passo que dão muitas risadas enquanto relembram aqueles velhos e sofridos tempos, quando havia bem poucas mordomias, mas todo mundo era feliz.

Na última semana ocorreu a nossa visita remetente às minhas atuais e já quase findas férias. Quando estávamos quase para ir embora, pediu-me ele para darmos uma passada na casa de certa amiga. Eu nunca tinha ouvido falar nem mesmo a visto em toda a minha não tão breve existência, mas me senti como se já a conhecesse há anos, tal como se fosse uma tia que eu visitasse frequentemente.

Durante a conversa entre eles, que se baseou essencialmente em relembrar aquela saudosa mocidade, pude perceber o por quê de sentir-me em casa. Quando eram mais jovens, meu pai e mais uma turma de quatorze pessoas não saiam da casa dessa, hoje, senhora. Viravam madrugadas jogando baralho, batucando um samba, conversando, bebendo e fumando. No ano novo, e essa para mim foi uma coisa que me deixou muito surpreso, saiam fazendo serenatas até o amanhecer. 

Foi uma grata surpresa, pois jamais imaginaria meu pai fazendo esse tipo de coisa, já que hoje ele se apresenta em uma figura muito serena e sossegada. Foi um momento de satisfação recíproca, pois eu fiquei tão satisfeito em ouvir pela primeira vez essas histórias quanto ele, que as relembrava com alguém que também havia vivido aquilo. A frase que ela mais falou a cada história contada, olhando para mim: "Turma igual aquela não existe mais. Não havia maldade nenhuma entre nós"

Silenciosamente fui obrigado a concordar. Pelo menos eu não tenho nenhuma turma da qual me lembre com tanto carinho. Hoje, pelo que percebo, os laços de amizade são muito frágeis. Qualquer situação que seja um pouco mais difícil de contornar, um atrito, uma reles discussão, enfim, são situações que podem levar a um rompimento total de relações. O motivo? Não sei, tenho algumas teorias, e elas têm como base esse excesso de modernização que temos hoje. 

Antigamente o mundo era mais simples. Mesmo não tendo vivido nele, eu sei que se sentia muito mais prazer em encontrar com os amigos ali na praça para bater um papo despretensioso. Hoje em dia temos muita dificuldade em relacionarmos com o outro. Preferimos a solidão de nossos quartos e quando saímos na rua queremos mais é nos blindar na carapaça de fones de ouvido, devidamente acompanhados de um par de óculos escuros. É um tipo de aviso para todo aquele que tentar ultrapassar esse território demarcado de que não queremos conversa.

No caminho de volta, ficamos em silêncio na maior parte do tempo. Em alguns momentos observei o rosto de meu pai olhando para o horizonte, com o olhar de quem tirava a poeira de um velho toca discos para ouvir canções antigas. Não sei ao certo o que ele estava pensando. Talvez em como era feliz e sabia ou então naqueles amigos que já deixaram esse plano. Mas uma coisa é certa: mentalmente ele revivia, tal como numa velha fotografia, uma época, deveras, diferente dessa que pertence à minha geração. Uma época, com certeza, sem sombra de dúvida, mais humana. 

22 comentários:

  1. Não sou quase nada saudosista. Talvez porque meu passado tenha muita coisa que eu queira esquecer... rs. Acho que o aqui e agora é melhor que antes, mesmo que eu já tenho vivido muitas coisas legais.

    Nunca fui de turmas, sempre andei com uma ou duas amigas no máximo. Nunca fui de grupos, sempre meio solitária pela noite.

    E acho que hoje em dia, por conta da internet, as pessoas se acomodaram mais em suas casas. Quando não existia internet, para tu conversar com alguém, trocar qualquer coisa que seja, tinha que sair, encontrar as pessoas.

    Beijocas

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  2. Eu gosto da internet, mas queria ter vivido um pouco dessa época de termos que sair de casa para conseguir as coisas. Como já falei em posts anteriores, essa facilidade às vezes me assusta.

    Beijo

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  3. seu texto me lembrou a minha mãe e como ela fica saudosa quando fala da sua juventude e da leveza de viver da sua época. seu grupo de amigos, as conversas até tarde na rua, sem medo de ser agredido por alguém. a pureza e a solidez das relações. dá uma inveja da vida dela naquela época:)
    você falou sobre a carapaça dos fones de ouvido e os óculos escuros para evitar contato ... estava conversando com uma amiga sobre isso hoje, e ela falou sobre o seu incomôdo em não ter esse "código de evitação" entendido pelos outros, pois as pessoas começam a conversar com ela mesmo ela usando fones de ouvido. hehehe.
    As pessoas têm preferido a distância. Triste daquelas que preferem um contato mais próximo.
    O jeito é sentir saudade daquilo que os pais viveram.

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    1. Pois é, Aline. Tá difícil de viver algo parecido com o que nossos presenciaram. Tudo se renova com uma rapidez estupenda, o que dificulta a criação de laços de amizade.

      Abraço.

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  4. Nossa, conseguir viajar no seu texto e até me vi visitando a cidade de seu pai... é a memória é algo mesmo formidável ou seria o coração?!
    Sim, é muito raro laços de amizade que sejam de fato fortes... o "eternamente responsáveis" se faz presente no coração de poucos.
    Ah, sei como é a felicidade de ouvir histórias de avós, dos meus pais... a vida era mesmo mais bonita.

    Gostei muito do seu texto.

    Namastê.

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    1. Acho que não haveria baú empoeirado se o coração não estivesse presente, Rô. Só sentimos saudades de algo que agrada nosso coração.

      Obrigado pelo elogio.

      Abraço.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Belo texto mesmo. Rico em boas e saudosas imagens. Eu sinto nostalgia por uma época em que não vivi. Acho mesmo difícil as relações humanas, tenho preferido observar as pessoas a me relacionar com elas, pelo medo dos atritos que você cita. A passos lentos ensaio uma interação ou outra, mas vou aprendendo que o ser humano tem muitas coisas estranhas, perversas, mas tem outras que nos maravilham. No fim das contas "ser feliz e saber disso" é a chave de muitos enigmas dessa nossa efêmera existência.
    Ps: só próxima sexta tem outro?

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    1. Conversando com um amigo sobre uma rede social relacionada a cinema, perguntei com ele interagia com os outros componentes desse grupo. Resposta: "Não, eu nunca me relacionei com nenhum ser humano. Só enumero os filmes que gostaria de ver."

      PS: então, só na próxima. Minhas aulas estão para recomeçar, daí tive que definir um dia para manter a atualização do blog. Já tive um outro espaço que não deu certo por esse motivo. Deixava os afazeres se acumularem e acabava me esquecendo dele. Espero que não tenha nada contra as sextas-feiras. :)

      Abraço.

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  7. http://grandeonda.blogspot.com

    Nos meus tempos de criança, conhecia todo mundo da minha rua. Hoje não conheço quase ninguém, e sinto falta disso. Preciso levar minha mãe à terra dela, pra matar as saudades.

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    1. Pois é, Carlos, eu também não conheço meus vizinhos e, infelizmente, talvez, não tenho vontade de conhecê-los. A única coisa que sei sobre eles é que têm um péssimo gosto musical, já que deixam o volume de suas caixas de som nas alturas.

      Abraço.

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  8. O mais estranho é que muitos tem esse senso saudosista, mas acabam sendo obrigados a se adaptar ao que lhes é de contra-gosto. Eu não sei se sou ou não saudosista, mas experimentar uma (velha)nova época seria realmente interessante.
    Ótimo texto, Murilo. Abraço.

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    1. Eu costumo dizer que tenho saudade daquilo que não vivi. Gostaria muito de ter vivido a época de meus pais, quando tudo parecia ser mais simples e sincero.

      Obrigado e abraço.

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  9. Emocionante seu texto.

    Enquanto lia, até eu estava revivendo a cena perante a minha íris!
    Realmente, lembranças de momentos outrora, fazem com que a gente perca o senso de atenção por um determinado período. Ainda mais, quando grande parte dessas emoções, acabaram de ser relembradas com alguém que também pertenceu a ele...

    Sou saudosista nata. Gosto do que sou hoje, mas quanto as relações sociais, posso dizer que não tenho muita sorte atualmente. Por isso mesmo, adoro andar de óculos escuros e com extensos "capacetes" de sons, com o pretenso intuito de blindar qualquer ser que queira um contato mais íntimo. Infelizmente, a minha paciência já não é mais a mesma. E, mesmo reclamando da falta de pessoas que adicionem conteúdo a minha vida, não estou mais a fim de tornar as coisas mais fáceis. Cansei, sabe?

    Não sei se eu seria mais feliz se tivesse nascido em uma data que não fosse a atual. Às vezes, penso muito no antigamente, e talvez, isso faça com que eu me frustre assiduamente...

    Ontem mesmo, travei uma discussão com uma querida amiga por celular, visto que comentei que estava com crises bipolares e com uma ansiedade fora do normal. Assim, dessa forma, estou tomando remédios para que amenize esses sintomas, que estão me deixando cada dia mais depressiva. Sabe o que ela me falou? "Se você quiser continuar com esse baixo astral, não posso fazer nada..." Quando eu percebi o que ela falou, fiquei pior do que já estava... Nunca iria pensar que poderia escutar esse tipo de comentário. É como se a situação que eu passo, fosse mais uma frescura criada por mim... Olha, depois desse tipo de ofensa (pois considerei isso), não pude dar continuidade a esse tipo de troca afetiva... Não quero nem saber mais dessa pessoa. Duas pessoas (a quem eu tinha um enorme carinho)me classificaram como dramática (quando as conheci, eu não estava dessa forma, sempre fui muito madura, racional, serena, calma e, talvez, esse meu estado atual, as tenham deixado pensar assim). Mas, mesmo assim, não esperava que me tratasse dessa forma...

    Por isso (finalizando o assunto), estou cada dia mais decepcionada com as pessoas. Não sei mais em quem posso confiar. Não sei mais em quem eu posso estender a mão e pedir ajuda! As pessoas só querem estar ao seu lado, quando você está bem. Fora isso, é como se fôssemos um monte de "estrumes" atrapalhando caminho alheio!!!

    Excelente ponto de vista!

    Um beijo!

    Bom feriadão, ou melhor, restinho de férias!!

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    1. Complicado, não é? As pessoas que nos cercam esperam que estejamos sempre prontos a recebê-los da melhor maneira possível. Ninguém quer saber quais são os dramas dos terceiros com quem se convive. Amigos, hoje em dia, na grande maioria, são aqueles que se encontram em uma mesa de bar. Nenhum deles está presente para dar um apoio no momentos difíceis. Acho que essa é a principal diferença dessa para aquela época.

      Obrigado pelos elogios.

      Um beijo.

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  10. com o passar do tempo os valores mudaram... adoro ouvir as histórias dos meus pais, de como se divertiam, de como viviam determinadas situções e saiam delas ilesos pq tinham amigos. os laços de amizade eram mais forte, havia amor e respeito. os amigos q ainda não passaram para o outro plano, continuam presentes, mantendo contato com os meus pais e acho isso lindo. apesar de morarem em cidades diferentes, continuam se falando pelo menos nas datas mais importantes pra eles. hoje, as amizades, não todas claro, perderam o foco, o amor e os valores, o real sentido. briga-se por qualquer coisa, uma blusa emprestada e talvez não devolvida é motivo de ódio mortal.
    eu tenho uma amiga de infância q mantenho até hj, 22 anos de amizade inabalável, e não precisamos da presença diária uma da outra pra saber q podemos contar com o apoio e amor incondicional. ("infância" a partir dos 12)
    eu acho q vivo na época errada, pq sempre q ouço histórias de quando não era nem nascida, eu me identifico mais do q com os dias atuais. ok, não sei se conseguiria viver sem computador, mas a máquina de escrever já seria de grande valia.
    também adoro poder proporcionar aos meus pais esses momentos de saudade, nostalgia e lembranças, é impressionante como os olhos brilham e a mente viaja pra longe, mesmo sem sair do lugar.

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    1. Conversava ontem com alguns amigos sobre esse meu desejo de ter vivido um pouquinho só que fosse na época de meus pais. Hoje vemos muitos jovens tendo problemas que normalmente apareceriam apenas na velhice. Esses problemas são causados pelo excesso de responsabilidade a que são submetidos. Trabalhar, estudar, produzir, enfim, acho que as pessoas não precisavam se preocupar com tantas coisas naqueles anos dourados.
      E, poxa, meus pais vivem sem o computador até hoje. Acho que também saberíamos nos virar sem eles.

      Abraço.

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    2. Os problemas de hoje estão diretamente ligados aos excessos, todos. Eu sinto falta de várias épocas da minha vida, mas confesso q me imaginando alguns anos mais velha, não sei se terei saudade dessa fase atual, talvez até tenha, mas por enquanto ela está passando sem grandes acontecimentos. Mas adoro o brilho nos olhos da minha mãe qndo ela me conta coisas de qndo era adolescente. Queria muito ter vivido naquele tempo, mas tenho certeza q vivi em outros, por isso o saudosismo.
      ah, sem computador? não sei, máquina só pra não perder o hábito de escrever e guardar coisas.

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    3. A praticidade do computador é indiscutível, mas guardar folhas datilografadas é algo que me soa poético.

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    4. Mt bacana isso que vc faz com seu pai. Mt bonito mesmo sabe? Quanto pais podem contar com esses momentos com seus filhos ja crescidos que quase nao dao bola pra eles ou para o que eles viveram?

      Mt bacana mesmo.

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    5. Pois é, Nina. Na verdade nós nos aproximamos mais depois que eu me mudei para outra cidade, por conta da faculdade e do trabalho. Esses momentos se tornaram mais valorosos. Enfim, compartilhamos mais ideias.

      Beijo.

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