Da sacada do seu apartamento, localizado no oitavo andar, ela sentia a doce brisa do entardecer acariciar-lhe o rosto. Seus cabelos acompanhavam o fluxo do vento vespertino e lhe tocavam levemente a face. Com um cigarro entre os dedos e os fones de seu velho walkman colocados em seus ouvidos, ela olhava para o emaranhado de edifícios que se colocava à sua frente. Apreciava os efeitos que os últimos raios solares produziam nos contornos da selva de pedra. Era algo extremamente belo, que só era possível de ser contemplado porque ela não ouvia nada. Nada humano. Nada automatizado. A única coisa que ela ouvia eram as batidas disco e os solos psicodélicos do Pink Floyd. As faixas luminosas do fim de tarde, as silhuetas em degradê das construções, seus pulmões aquecidos pela fumaça de seu cigarro e a música ao mesmo tempo relaxante e empolgante produziam uma sinergia inexplicável. Tudo era belo e ensurdecedoramente melódico.
Mas, eis que, o cigarro chegou ao fim e a fita cassete também. O botão play de seu walkman destravou produzindo um ruído e então ela ouviu o verdadeiro som do mundo, vindo do inferno que eram as ruas lá embaixo. Motores roncando escandalosamente, buzinas perturbadoras e uma voz nem masculina, nem feminina, que bradava:
"Vai tomar no cu, seu filho da puta! Onde você aprendeu a dirigir?"
O sol se pôs, o céu escureceu, os prédios iluminaram-se de luzes eletricamente vulgares e ela se lembrou de que teria de trabalhar no dia seguinte.
A vida não foi, não é e nem nunca será um mar de rosas.
pena q nada dura pra sempre...
ResponderExcluirAdorei a construção do texto. Quantas vezes nos pegamos assim, viajando para fugir de onde estamos.
ResponderExcluirBeijocas
show. adorei sua narrativa
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