Texto publicado na Obvious em 12 de dezembro de 2013.
Para correr, é necessário que o sujeito esteja com o preparo físico
em dia, estado esse que só é atingido mediante a prática regular de
corridas, com periodicidades que podem variar dentro dos sete dias da
semana. Com relação à leitura, talvez seja a mesma coisa.
Quando se começa a ler um livro um pouco mais complexo em seu
conteúdo, dependendo do preparo do leitor, a coisa não flui, os olhos
pesam, as páginas não andam, o marcador parece estático e o livro
torna-se um peso.
Uma boa alternativa para a leitura voltar a ser produtiva são
releituras, ler o que já foi lido, algo que é certeza absoluta de um
fluxo de palavras e páginas em ritmo leve, galopante, avassalador. O
exercício de voltar a uma obra pode ser extremamente prazeroso, já que o
leitor volta a saber o motivo pelo qual aquela história é grandiosa,
além de estar atento a novos detalhes que uma primeira leitura não
permitiu enxergar.
Se a narrativa, curta ou longa, possuir referências a outros autores,
melhor ainda, pois a curiosidade será atiçada e novas perspectivas
serão abertas. Dizem que uma coisa leva a outra, que leva a uma mais
adiante, formando-se uma linha ou um ciclo de ocorrências.
No conto policialesco "A coleira do cão", da autoria de Rubem
Fonseca, o introvertido delegado Vilela carrega para cima e para baixo
um pequeno livro de poesia intitulado Claro enigma, sendo
vigiado com desconfiança por aqueles que o cercam. Afinal, um homem que
lê poemas destoa de todo o ambiente de criminalidade, miséria e
corrupção que compõe a periferia do Rio de Janeiro.
Marçal Aquino, em sua breve narrativa "Impotências", fala da vida que
seu falecido tio teve, comparando-a com supostas vidas que ele poderia
ter levado, tragetórias de vida mais dignas, com namoradas, emprego,
carros populares, filhos amáveis, sexo, John Lennon e, acima de tudo,
Carlos Drummond de Andrade, poeta com um eu todo retorcido, de sete
faces, que mistura o sangue do leiteiro ao produto que lhe dá um ofício.
Rubem Fonseca e Marçal Aquino são autores afins. Quem gosta de um,
inevitavelmente vai viciar-se no outro, pois ambos misturam narrativas
ágeis e ao mesmo tempo reflexivas, com personagens existencialistas que
não encontram seu espaço no mundo em que vivem, habitantes de ambientes
periféricos, imundos, decadentes, podres. Leitores de Raymond Chandler e
Drummond, Rubem e Marçal trazem notável refinamento poético a suas
narrativas policiais.
Uma dose diária, pequena e breve de Fonseca, Aquino e Drummond deixará o leitor em plena forma, apto a encarar qualquer leitura.
leio tanto, mas tanto q nem percebo.
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