Texto publicado no Homo Literatus em 10 de dezembro de 2013.
Estamos na era do diário aberto, em que os usuários do Facebook
reportam até o mais ínfimo e mesquinho evento de suas vidas, mostrando
para seus seguidores o que está ocorrendo no seu cotidiano. Outrora, o
diário foi um caderno cheio de segredos, guardado a sete chaves. Todo
esse mistério caiu em desuso. Hoje, quanto mais exposição, por mais
ridícula que ela seja, melhor.
No último sábado, foi publicada no caderno Ilustrada, da Folha de São
Paulo, matéria que relata a atual tendência do escritor brasileiro de
aproximar sua vida à do protagonista de sua ficção. Além da grande
maioria das histórias ser narrada em primeira pessoa, muitos dos traços
apresentados coincidem com a trajetória particular do escritor. É a
chamada autoficção, termo criado nos anos 1970, na França. Se trouxermos
para a contemporaneidade, poderíamos dizer que se trata de um tipo de
Facebook literário.
Escrito em forma de caderno de notas, Diário da queda, quinto
romance de Michel Laub, é um livro a respeito de autor-recordações. As
memórias de alguém podem ser algo penoso para quem seguirá sua linhagem.
Um avô que sofreu com os terrores do nazismo não dará a devida atenção à
sua família, pois estará sempre confinado com suas reminiscências,
lembranças que ninguém poderá compreender. O pai, filho desse avô,
sofrerá com isso. Ele não esteve em Auschwitz, mas o campo de
concentração estará presente em sua vida, retratado no rosto amargurado
de seu genitor. O neto daquele avô e filho de pai judeu, também sofrerá
com aquilo que está muito distante de sua realidade, algo que ficou para
trás na linha temporal e tornou-se um museu da humanidade no sul da
Polônia, há milhares de quilômetros do Brasil. O fardo de ser judeu é
para todos. Os velhos que sofreram os horrores do nazismo educam e
sufocam suas crianças com mão de ferro para que elas estejam sempre
desconfiadas e não sejam sufocadas pela mão de ferro do mundo.
O autor-narrador de Laub reflete sobre como Auschwitz e a culpa pelas
atrocidades cometidas contra um colega de infância e as ofensas
sofridas por ser judeu influenciaram na formação de sua personalidade.
Tudo está de alguma maneira conectado, como se cada evento fosse apenas
uma coisa complexa.
A narrativa é algo parecido com um fluxo de consciência, que retoma,
de maneira ágil e sedutora, os fatos que envolveram a infância do
narrador, sua adolescência, a chegada à vida adulta, a mudança de Porto
Alegre para São Paulo, a descoberta da doença do pai. Todo esse
movimento cíclico que evolui lentamente, trazendo revelações ao leitor,
parece ter a finalidade de fazer com que a mente cheia de lembranças
perturbadoras do narrador seja representada o mais fielmente possível.
Diário da queda é uma hábil mistura da linha cronológica da
vida do autor com simples e pura ficção, para que não vejamos tudo pelo
imaginário do escritor gaúcho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário