Texto publicado no Homo Literatus em 13 de novembro de 2013.
Quando se assiste a um jogo de futebol, as emissoras televisivas
conseguem mostrar um lance em seus mínimos detalhes. O momento do passe,
do chute, o salto do goleiro, o carrinho do zagueiro, a bola a estufar
as redes. Para os fanáticos pela pelota, a câmera em slow motion é
algo para se apreciar tal fosse uma pintura. A tecnologia é, às vezes,
uma benção. Mas dificilmente essas imagens em câmera lenta conseguirão
superar a crônica esportiva na descrição dos movimentos que antecedem
uma jogada de efeito, um chapéu, um drible por entre as pernas, a
pedalada, a cavadinha que desmonta um goleiro.
Para os boleiros literários, as páginas de esporte são um prato cheio
aos domingos e segundas-feiras, com análises, pranchetas, críticas e
palpites. Juca Kfouri e seus textos políticos, Paulo Vinícius Coelho e
seus esquemas táticos, Tostão e sua obsessão pelo futebol arte. Já ouvi
alguns dizerem que a crônica seria um gênero literário menor. Discordo. É
graças a ela que muitos contos (esse considerado pelos preconceituosos
um gênero maior) futebolísticos foram concebidos.
“Abril, no Rio, em 1970”, do volume de contos Feliz ano novo,
de Rubem Fonseca, relata, com linguagem puramente jornalística, a
melancólica história de um jovem que tenta chamar a atenção de um
olheiro do Madureira num jogo teste. Mas o futebol é ingrato para
aqueles que o amam e querem viver dele:
"Eles ganharam o cara ou coroa, escolheram o campo. Pirulito deu a saída, atrasando para mim, enfiei de curva para o Gabiru na ponta, mas a bola foi no pé do adversário. Corri pra ver se recuperava a jogada. Enquanto eles triangulavam em cima de mim eu pensava, porra, comecei enfeitando, agora estou igual a bobo na roda, nem sei o que estou fazendo."
Páginas sem glória carrega dois contos e uma novela homônima,
que conta a história de Zé Augusto, o Conde, jogador malandro, adepto à
boemia e às libações, jogador do Fluminense e do Bonsucesso nos anos
1950 e 1960. Misturando ficção com realidade, Sant’Anna conta a curta,
porém, notável trajetória deste jogador que, ao contrário do
protagonista de Rubem Fonseca, gostava mais de apostar no turfe do que
de seu próprio ofício. Filho de influente deputado, Zé Augusto sabia os
caminhos para se chegar ao gol. Categoria e elegância eram suas marcas
dentro e fora do campo. Se este tipo de comportamento é execrado pela
imprensa nos dias de hoje, que dirá na daquele tempo. Com sua apurada
câmera narrativa, Sérgio Sant’Anna descreve, baseado em crônicas
jornalísticas da época, as geniais jogadas do Conde, que sabia como
ninguém deixar zagueiros a chutarem o vento e goleiros ridiculamente
estatelados no chão:
"Não que Zé Augusto quisesse desrespeitar o Castilho, mas respeito demais também não tinha, pois não acompanhava o futebol profissional de perto. As pernas abertas do outro estavam pedindo e o Zé enfiou a bola entre elas, porque era o caminho mais fácil para o gol."
Com detalhado slow motion lírico, Rubem Fonseca e Sérgio
Sant’Anna fizeram belas jogadas individuais, pois foram bem servidos por
pontas de lança como Juca, PVC e Tostão, que, se não dão show, garantem
o bom resultado das narrativas jornalísticas todas as semanas, dando
chapéu naqueles que ainda não acreditam no valor literário da crônica
esportiva.
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