Texto publicado no site Contraversão, em 26/02/2013.
Que o brasileiro em geral ama novelas, disso não resta dúvida. Um
exemplo claro dessa paixão por folhetins foi o recente sucesso da trama
de João Emanuel Carneiro, transmitida pela Rede Globo, a mais experiente
emissora televisiva brasileira nesse ramo. No chamado “horário nobre”,
as novelas globais atingem índices de audiência que são impossíveis de
serem alcançados. No caso de Avenida Brasil, mesmo aqueles
que não a acompanhavam tomaram conhecimento de suas tramas e
personagens, pois ela estava estampada nos principais meios de
comunicação do país. João Emanuel, nesse caso em particular, utilizou-se
de uma vertente artística que aprecia muito para fazer de sua criação
um sucesso arrebatador: a literatura. Mas, afinal, por
que, apesar da proximidade entre esse gênero predominantemente
televisivo e o literário, o brasileiro lê tão pouco?
Em Tia Júlia e o Escrevinhador, o peruano Mario Vargas Llosa (Nobel de Literatura de 2010) conta a história de Varguitas,
um garoto de dezoito anos que sonha em viver da literatura, através do
ofício de escritor. O menino trabalha em uma das maiores rádios de Lima e
tem como função elaborar boletins informativos transmitidos de hora em
hora com base nos jornais impressos, contando o que de mais recente
acontece no mundo. Porém, os maiores picos de audiência da rádio não são
atingidos por conta da música latina que toca nos rádios automotivos
durante o dia ou mesmo pelas pontuais notícias, mas sim quando começam
suas radionovelas. No momento em que as fictícias histórias dramáticas
de amores impossíveis começam a exalar pelos rádios da cidade, donas de
casa suspiram ao lado de seus aparelhos radiofônicos, imaginando o quão
bonitos seriam os donos daquelas suaves vozes apaixonadas.
A importância desses folhetins é tanta, que os patrões de Varguitas contratam Pedro Camacho,
um boliviano extremamente perturbado que é considerado mestre na
composição desenfreada de histórias mirabolantes. O problema é que, por
conta da intensa cadência produtiva noveleira, Camacho chega ao ponto de misturar suas personagens em histórias que não lhes dizem respeito. Com humor refinado, Mario Vargas Llosa alterna entre um capítulo e outro as histórias do insano Camacho com a de seu protagonista, Varguitas, que também vive uma trama de novela em sua vida.
Também vinda da Bolívia, chega à casa dos tios de Varguitas uma certa Tia Júlia, parente recém divorciada, que vem a Lima tentar uma nova vida, quem sabe um novo casamento. Extrovertida e debochada, Tia Júlia não agrada Varguitas,
que evita qualquer tipo de convívio com a irmã de sua mãe. Mas, para
seu desespero, ela, assim como ele, é amante de cinema, e seus tios o
obrigam levá-la para ver filmes, já que não conhece a capital peruana.
Inusitadamente, a partir desse contato, os dois iniciam um romance
proibido, digno dos mais complexos e dramáticos folhetins.
Em Tia Júlia e o Escrevinhador, Mario Vargas Llosa
expõe, talvez, através de uma narrativa agradável que prende o leitor
do início ao fim, uma explicação para o aparente desinteresse do
brasileiro para com a literatura. As novelas televisivas propõem uma
forma de entretenimento imadiato, que rega o imaginário do espectador
com imagens prontas, com modelos do que se tem por beleza prontos. As
fictícias personagens de Llosa, ouvintes assíduas das radionovelas escritas por Pedro Camacho,
ainda têm a oportunidade de exercitar sua imaginação, criando um rosto
que lhe seria particularmente compatível com aquela voz que ouvem (os
donos das vozes eram, na verdade, pobres coitados dotados de extrema
feiúra).
Tia Júlia e o Escrevinhador é
recomendado para todos os noveleiros que queiram se desprender da
televisão e exercitar a imaginação. E, claro, para aqueles que já estão
acostumados a fazê-lo e gostam de boa literatura.
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