terça-feira, 22 de janeiro de 2013

"Cabeça a prêmio": um retrato 3x4 do Brasil calibre 45

Texto publicado no site Contraversão, em 10/12/2012.

Em “Cabeça a prêmio”, Marçal Aquino introduz seu leitor em uma trama que surpreende por sua complexidade e inteligência. Um jogo de emboscadas é travado entre indivíduos que, sendo matadores de aluguel ou não, fazem de tudo para alcançar seus objetivos. Em cenários onde não há nenhum tipo de lei ou moral, Marçal coloca em prática sua já conhecida habilidade de roteirista (exposta recentemente, ao lado de Fernando Bonassi, nas três temporadas da série “Força Tarefa”, exibida pela Rede Globo) para expor um Brasil ficcional que choca por seu realismo. Este livro teve sua trama adaptada para o cinema em 2009, pelas mãos do diretor Marco Ricca.
 
Brito e Albano são dois matadores de aluguel posicionados em uma pequena cidade interiorana a mando de seus patrões, Mirão e Abílio (poderosos irmãos traficantes), com o intuito de dar cabo de um sujeito sobre o qual nada sabem. A partir daí, enquanto vigiam e esperam pelo momento certo de atacar sua vítima (escoltada pelo serviço de proteção a testemunhas), suas histórias de vida são recontadas em flashbacks que explicam algumas de suas condutas. Brito, mais contido e introspectivo que Albano, tem sua história recapitulada, desde o primeiro crime abonado até seu relacionamento com a cafetina e prostituta Marlene.

Dênis, piloto de extrema confiança do impiedoso Mirão, teme e respeita a mão de ferro que o alimenta. Porém, a beleza irresistível de Elaine, a sedutora filha de Mirão, acabam por cegá-lo. Um romance proibido, que por si só já traria graves consequências. Consequências essas que são pioradas pelas investidas chantegistas do homossexual Abílio contra Dênis e mediante a atitude de Elaine de voltar-se contra seu pai e tramar um golpe financeiro seguido de fuga. Contra todas a probabilidades de que isso fosse dar certo, eles colocam seu plano em prática, com a consciência de que o resto de seus dias permanecerão incertos quanto à possibilidade de terminá-los vivos.

Essas histórias paralelas são habilmente manejadas pelo narrador de Marçal Aquino, até o ponto em que suas linhas se chocam por possuírem Mirão como seu centro particular. Emboscadas misteriosas são narradas sem que o leitor saiba quem é a vítima ou se quem sobreviverá é a caça, alerta e acossada, ou o caçador, frio e calculista. Não há o bem ou o mal, o mocinho ou o bandido. Todos os envolvidos na trama trazem sangue em suas mãos e seguirão a lei da sobrevivência. Trapacearão, pois não há jogo limpo. Matarão para não morrerem.

Os cenários são cercados por plantações pertencentes a poderosos fazendeiros. O vento é poeirento e traz o cheiro de suor dos simples e ignorantes habitantes interioranos. Os minúsculos quartos de hotel cheiram a suor, sexo barato e mofo. É um Brasil de clima seco, onde não há polícia, justiça ou compaixão. Assim como em “Os Infratores” (2012), filme que retrata a impiedosidade dos mafiosos durante a Lei Seca imposta aos estadunidenses, nas décadas de 20 e 30, Mirão, Abílio, Brito e Albano compõem uma hierarquia de foras-da-lei que compram e fazem suas próprias regras. São os infratores, os irmão Bondurant do velho e impiedoso oeste brasileiro.

Cabeça a prêmio é o recorte seco e preciso de um cenário sangrento e brutal, territorialmente próximo a todos nós, brasileiros. Marçal Aquino resumiu hábil e sucintamente sua obra em uma dedicatória autografada, na primeira página do volume que possuo: “um retrato 3×4 do Brasil calibre 45.”

3 comentários:

  1. Não conheço nada ainda de Marçal Aquino, ainda, mas ultimamente ando meio averso à violência. Grande Sertão Veredas tentei ler um dia, desisti no começo. Mas como o livro Guerra e Paz, resolvi encarar, e tenho um exemplar na estante me aguardando. Bom domingo.....http://grandeonda.blogspot.com

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. e agora, livro ou filme?
    ambos parecem interessantes.

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