Texto publicado no site Contraversão, em 01/02/2013.
Uma mãe em trabalho de parto geme em sua cama, localizada numa
pequena casa situada no interior do Rio Grande do Sul. Enquanto a
parteira se esforça para trazer o seu bebê ao mundo exterior, o pai e
marido anda de um lado para o outro, ansioso para que tudo acabe bem e
então ele possa saber o sexo da criança. Quando a parteira finalmente
consegue tirar a criança do ventre da mãe, um grito de horror percorre a
casa. O pai corre para ver o que estava se passando, a surpresa: uma
estranha combinação de ser humano e cavalo jazia ao pé da cama. Um
centauro acabara de chegar ao mundo.
Em O centauro no jardim, Moacyr Scliar (1937 – 2011) mostra todo o poder de seu imaginário ao narrar a saga de Guedali,
um centauro nascido em uma pequena fazenda no distrito gaúcho de Quatro
Irmãos. Conhecido por possuir uma narrrativa rica que aborda temas e
seres míticos, Scliar nos coloca diante da
possibilidade (ou seria certeza?) de convivermos com seres mitológicos. O
que aconteceria se eles realmente existissem e passassem a habitar
nossos cotidianos? Catástrofes, no mínimo, como foi provado a partir dos
primeiros contatos com seres totalmente (ou não) humanos.
Desde seu nascimento, Guedali obviamente encontra
dificuldades para se adaptar a um mundo habitado por seres
escancaradamente diferentes de sua anatomia. Narrado em forma de
memórias pelo próprio protagonista em idade já avançada, o romance
mostra todas as dificuldades encontradas pela família do então menino Guedali
para educar um ser metade homem, metade equino, que possuía instintos e
necessidades voltados para suas duas naturezas e precisava ficar a
maior parte do tempo escondido em uma quarto escuro, fora do alcance de
olhares estranhos.
Como não poderia deixar de ser, o centauro passa constantemente por
crises existenciais. Afinal, qual seria a sua verdadeira natureza? A
humana, que o faz desejar mulheres? Ou a equina, que o incita a copular
com as éguas que habitam a pequena fazenda onde nasceu? Quando se vê um
adolescente quase adulto, o centauro cai no mundo, passando por diversos
lugares em que tem contato com seres e personagens igualmente
inusitados, que contribuem para o efeito mítico da história. Além das
situações curiosas que só um ser desse gabarito poderia vivenciar, Guedali
tem experiências peculiares a todos os homens, como o primeiro amor, o
gosto pela leitura, as vontades de formar-se em determinadas profissões…
Ao narrar a trajetória do seu famigerado centauro, que passa por Porto
Alegre, São Paulo e chega até ao Marrocos, Scliar mostra ao seu leitor
que a vida é uma sucessão de idas e vindas, acasos e coincidências, e
que devemos percorrer o mundo inteiro, caso seja necessário, para
descobrir quem realmente somos.
Em tempos de O Senhor dos Aneis e O Hobbit, com suas longas e letais jornadas repletas de seres fantásticos, O centauro no jardim é um livro sobre uma expedição muito mais incerta e perigosa: a vida. Moacyr Scliar,
com seu fabuloso imaginário criativo, nos deixou uma obra que
ultrapassa o conceito de fantástica ou pós-moderna. É um verdadeiro
manual da vida.
Nossa !
ResponderExcluirDeu uma vontade de ler esse livro.
Bela história
Ótima resenha.
:)
interessante...
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