Texto publicado no Homo Literatus, em 9 de outubro de 2013.
Ao abrir a boca em frente ao
espelho, visualizo uma série de obturações prateadas que cobrem meus
dentes do fundo. Quando sorrio, vejo uma dentição mais ou menos
alinhada, pode-se dizer até apresentável, fruto do uso de aparelho por
nove anos.
Resinas que substituem pedaços
quebrados. Gengiva com cicatrizes. Arco colado na parte traseira dos
frontais inferiores. Passei boa parte de minha infância em consultórios
ortodônticos. Sim, eu tinha muito medo. Minha mãe que o diga. Quase era
preciso me amarrar à cadeira e tapar minha boca com mordaça, tamanho era
o berreiro. Um caos. Uma vergonha. Enfim.
Mas, acreditem ou não, eu adorava a sala
de espera. Motivo: os gibis. Inúmeros e variados que eram, faziam-me
esquecer por alguns minutos os terror que me aguardava para dali a
pouco. Eu lia vorazmente o máximo possível antes de ouvir meu nome
proferido pela secretária, torcendo para que a restauração do pobre
coitado lá dentro não desse certo e precisasse ser refeita.
Foi esperando pela minha vez nestes
lugares que desenvolvi minha admiração pela Turma da Mônica, o que
resultou na fissura pela leitura, que me acompanha até hoje. Mais do que
pelos habitantes da Rua do Limoeiro, meu preferido sempre foi o Chico
Bento. Ele, Zé Lelé, Nhô Lau e companhia me faziam tentar (em vão)
segurar o riso, enquanto os outros pacientes olhavam desconfiados em
minha direção. No auge dos meus oito, nove anos, saia dali com vontade
de passar um tempo inesgotável lendo aquelas revistinhas, pois, talvez
inconscientemente, percebia que aquilo aliviava um pouco minha dura
realidade odontológica. Posso dizer que não foi em uma biblioteca que
meu interesse pela leitura se desenvolveu, mas sim na sala de espera de
consultórios.
Outro dia, ao ir para uma consulta de
rotina (ainda possuo um pouco de medo, mas consigo controlá-lo), notei
que havia muitas revistas na recepção. Caras, Contigos, Vejas, Épocas.
Procurei por baixo da pilha. Nenhum gibi. Havia uma criança ali,
inquieta, apavorada com os ruídos arrepiantes que vinham da outra sala. A
mãe não conseguia acalmá-la. Não havia nada para distraí-la. Aquelas
revistas de gente chata não serviam pra ela.
Pensei no trauma dessa criança, que não
extrairia nada de bom daquelas idas ao dentista. Perguntei-me se algum
dia ela poderia se interessar pela leitura, se haveria uma situação
propícia como aquela para que ela descobrisse que a ficção é a melhor
maneira de fugir do mundo real.
Conclui que, talvez, o número de leitores no Brasil fosse maior se os gibis fossem conteúdo obrigatório de uma sala de espera.
no consultório do meu dentista não tem nada, nem gibis, nem vejas, nem épocas, nada!!!!
ResponderExcluirtoda vez q vou levo um livro, assim me salvo do trauma, das pessoas chatas querendo conversar, da tv ligada no programa da ana maria chata braga, das reclamações sobre a demora e mais ainda eu leio, minha terapia preferida.