Artigo publicado em 29 de setembro de 2013 no Homo Literatus.
Como seria uma igreja fundada pelo pior e mais clássico inimigo de Deus?
Machado de Assis, com seu imaginário crítico e irônico, construiu esse absurdo e cômico cenário no conto A igreja do Diabo, publicado pela primeira vez na Gazeta de Notícias,
em 12 de fevereiro de 1883. Esta pequena narrativa, dividida em três
capítulos, mostra a complexa natureza humana, cada dia mais
incompreensível.
O Diabo decide fundar seu próprio templo
com a justificativa de que, apesar do aumento das maldades no mundo e
de súditos em seus domínios, não havia nenhum tipo de regra ou ritual
que regularizasse os atos daqueles que cometiam barbaridades. Ao
contrário das outras igrejas, que se dividiram e guerreiam por um mesmo
segmento, a sua seria mais forte, de núcleo único.
Sua igreja possui seus próprios
fundamentos, nos quais diversas atitudes consideradas imorais pelas
premissas divinas são questionadas. Afinal, as regras constituídas por
Deus nunca definiram de maneira clara o que seria bom ou ruim. Se posso
vender meus bens materiais, como minha casa, porque não poderia
comercializar meu voto? Se um carro pode ser comprado, porque os
indivíduos julgados pelo mensalão não poderiam comprar veredictos
favoráveis? Contradição divina. Hipocrisia diabólica.
O próprio Satanás se define como o
senhor da objeção. A humanidade se prova ainda mais incoerente. Ao
integrar-se à diabólica igreja, o sujeito tem total liberdade para
praticar os sete pecados capitais, sem reprimendas. Porém, o homem sente
grande necessidade de transgredir, burlar às escuras, um sistema de
regras.
Viver regrada ou abusivamente? O que,
afinal, o ser humano quer? Viver de maneira correta, sem excessos,
dividindo ganhos com os menos favorecidos, sacrificando-se por um ente
querido para, no final de sua vida, obter uma morte jubilosa seguida de
merecido e eterno descanso no paraíso?
O avarento deixa de ser pão-duro e
torna-se econômico. O guloso resolve dividir suas iguarias. O preguiçoso
quer trabalhar. Ao final de sua jornada, nem o Diabo consegue lidar com
tamanha complexidade. Somente Deus e sua infinita paciência conseguem
lidar com os absurdos comportamentos de suas crias.
Fica a dúvida de qual teria sido, há 105 anos, o destino de Machado de Assis.
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