sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O incrível imaginário de Moacyr Scliar

Uma coisa que sempre me intrigou como leitor é a aparente e inesgotável fonte criativa de alguns escritores. Certos caras realmente me surpreendem pela quantidade de obras providas de indiscutível qualidade que lançam. Acho que a maioria das pessoas apreciadoras de literatura já tentou ou teve a curiosidade de escrever uma ficção, algo pequeno e sucinto que desse gosto em ser lido. Confesso: já tentei várias vezes e não consegui. Talvez a solução seja partir de ideias pequenas, como o próprio Lourenço Mutarelli confessou fazer. Mesmo assim, a coisa não é fácil. 

Por isso sou profundo admirador de Moacyr Scliar (1937 - 2011), um médico não somente do corpo humano, mas também das palavras, que sabia manuseá-las como ninguém. Li certa vez, num texto do Tony Bellotto, que ele conseguia escrever em meio a toda agitação de saguões aeroportuários, enquanto esperava por seu vôo. Era só sentar, colocar seu notebook no colo, ligá-lo e pronto: as ideias jorravam para a tela do portátil.

Fui leitor assíduo de seus textos na Folha de S. Paulo e acabo de estreá-lo na forma de literatura, através do romance (um puta romance, aliás, como diria a protagonista da história) "A mulher que escreveu a bíblia". Com uma narrativa envolvente, inteligente e, acima de tudo, ágil, a obra me acompanhou por esses dias (poucos, já que, mesmo com escasso tempo para leitura, devorei-a).

Scliar conta a história do mito da mulher que teria redigido os escritos bíblicos. Até aí, tudo bem. Mas o modo como ele narra o cotidiano da mulher extremamente feia e faminta por sexo adquirida pelo rei Salomão é algo fascinante. Com um vocabulário contemporâneo misturado ao dialeto pertinente à época, o escritor gaúcho mostra sua habilidade, através de sua narradora autodiegética, para criar histórias criativas e mirabolantes, baseadas em mitos e fábulas, que se aproximam dos dias atuais.

As reflexões acerca de seu desejo por certo pastorzinho, o tesão que sente por seu marido (que possui centenas de esposas e concubinas), os planos para conseguir a sua tão sonhada foda, as análises sobre a situação diplomática e política do reino e o seu relacionamento com as outras mulheres do harém de Salomão me arrancaram risos pela absurda relação entre o contexto histórico e os desejos de uma mulher marginalizada por sua feiúra, que é incumbida da escritura do livro sagrado por ser a única alfabetizada (secretamente, diga-se) e detentora de grandes dotes narrativos.

"A mulher que escreveu a bíblia" mostra o quão incrível e inesgotável era o imaginário de Moacyr Scliar. Fábrica de histórias essa que, infelizmente, só teve sua produção interrompida pela morte.

O que, consequentemente, tornou-o um imortal.

7 comentários:

  1. Grande Scliar!
    Recomendo também: "O centauro no jardim".

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  2. Também fico impressionada com a fonte de inspiração aparentemente inesgotável de muitos autores. As palavras vão se enlaçando naturalmente e formando conjuntos que após um tempo, dão origem a um livro, como um passe de mágica. Já fiz várias tentativas de compor um romance, ou um desses contos longos de algumas páginas. Todas em vão... É difícil manter a qualidade constante de uma obra. Entretanto, Moacyr Scliar parecia não ter essa dificuldade, principalmente pela quantidade de seu trabalhos. Ainda não cheguei a ler nenhum romance desse autor, apenas textos da Folha. Fiquei curiosa em relação a esse livro que você citou. Tratarei de colocá-lo na listinhq de livros a ler.

    Abraços,
    E-mail: perolairregular@yahoo.com.br

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  3. ~feia e faminta por sexo~ rsrs

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  4. "os planos para conseguir a sua tão sonhada foda, as análises sobra a situação diplomática e política do reino e o seu relacionamento com as outras mulheres do harém de Salomão"

    cara, vou atrás desse livro, muito bem, me convenceu. ja li algo dele mas nada a fundo e sua descrição me fez lembrar dos ~circulos~ sociais ~femininos~ aos quais TENHO que me submeter, afinal, bem ou mal curto o lado bom da sociedade *cervas e afins. vamos ver se me identifico. pelo titulo já, adoro coisa que os cristãos olham e falam "ave maria" srrss bj murilo.

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  5. Ainda não havia ouvido falar do Moacyr, mas acredito que essas pessoas que possuem uma vasta criatividade para escrever, são mesmo abençoadas.
    Quem me dera !

    Interessante a história da mulher que escreveu a bíblia, parece engraçada.

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  6. Putz, vou ter q parar de te ler, já passou pra 16 a minha lista de livros para ler, 13 já na minha estante e 3 q li resenhas aqui... e agora? rs
    esse é impossível não querer ler, pelo menos por curiosidade pelo desfecho da coisa toda.

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  7. Muito tempo que eu passei aqui. Você abordou num escritor que eu admiro muito, Scliar me despertou a atenção. Conto, crônica ou romance, Scliar me conquistou.

    Segundo o meu humilde critério de boa literatura, eu considero um autor bom quando, termino de ler uma obra e indago "por que eu não escrevi isso?". É esta a sensação que Moacyr provoca em mim.

    Parabéns pelo escrito e pela homenagem ao escritor. O Centauro deve estar feliz pela sua homenagem.

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