Dos romancistas brasileiros contemporâneos que eu ansiava ler, Milton Hatoum é o que mais me gerava espectativa. Em artigos de jornais e revistas, postagens em blogs literários e no ambiente acadêmico, Hatoum é um nome constante, através da menção de sua obra mais aclamada, o romance intitulado "Dois Irmãos". Porém, não foi por meio desse livro que comecei minha empreitada por seus escritos.
"Cinzas do Norte" já estava há alguns meses encaixado em uma pequena fileira de livros alojados em minha estante. Peguei-o para minha prática diária de leitura, que é feita dentro do ônibus da empresa na qual trabalho, no trajeto de volta do percurso. Confesso, já de primeira, que foram entretedores e empolgantes (mesmo sendo eles curtos e fragmentados) momentos literários.
A história dos amigos Mundo e Lavo é contada numa Manaus historicamente ambientada nos anos de ditadura militar do Brasil. Inicialmente, pode-se pensar que seja um tema batido. Mas esse enredo contribui muito para o andamento da história, que mostra ao leitor os segredos pecaminosos das famílias desestruturadas nas quais os dois amigos de personalidades completamente diferentes cresceram.
O próprio Hatoum revela, conforme menciona Irineu Franco Perpetuo no prefácio do livro, que as duas personagens são fragmentos de sua própria personalidade: Mundo, um artista louco que almeja deixar sua terra natal o quanto antes para ganhar outros territórios; Lavo, um indivíduo centrado e ciente de suas obrigações para com seus semelhantes em sua terra.
Ao mesmo tempo em que desenvolve a história através da voz autodiegética de Lavo, Hatoum faz ferozes e fiéis descrições críticas do então regime político conservador, que invade a casa de Mundo e faz com que seu pai, Jano, viva a mercê dessa cruel e ferrenha doutrina. Mas Hatoum não se atém apenas a esse espinhoso tema. No desenrolar da trama, o leitor absorve grande conhecimento cultural remetente à quente e úmida capital amazonense, que abrange a culinária, o artesanato, as festas e uma infinidade de outras peculiaridades espaciais, como a pobreza e simplicidade das pessoas que habitam as margens dos rios.
Em certa entrevista, o romancista diz que compor romances é um jogo de paciência que exige coragem. Há de se escrever, ler e pesquisar, dia e noite, durante anos, além de ter certa experiência histórica. "Cinzas do Norte" mostra que Hatoum foi paciente e corajoso na medida certa e soube transplantar todo o seu conhecimento sobre Manaus de maneira clara e competente, com uma narrativa forte e envolvente.
"Cinzas do Norte" é literatura pura e de qualidade.
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ResponderExcluirDestaque meu -"Cinzas do Norte" é literatura pura e de qualidade.:)
ResponderExcluirÉ muito bom saber que tem gente de toda parte lendo os livros que retratam a região norte - que por vezes parece ser um assunto desinteressante para as regiões mais ao sul.
Fico feliz com a sua observação e interesse.
Vou em busca de mais informações sobre suas obras, como já disse só li "Dois Irmãos".
Nós conterrâneos devemos isso a nós mesmos.
'Cinzas do Norte', pelo que já procurei saber também fala da criação do bairro onde moro desde que era criança, um dos maiores da cidade.
Pelo que pude notar você chegou a ver o vídeo que sugeri, se não for engano meu.
De Manaus também saiu para o mundo outro escritor, o Márcio Souza. Já ouviu falar de 'Mad Maria'? Que virou até minissérie, é baseada em uma obra dele.
Esses autores são de um enriquecimento enorme para a nossa história, cultura, retratando a nossa cidade e região, eles apresentam um pouco da identidade dos manauaras, amazonenses e dos amazônidas para o mundo.
Que legal ler sobre meu escritor favorito aqui! Já elegi o Hatoum como um guru literário, viajei mais de 10 horas para poder ouvi-lo por 3 dias,...cheguei ao auditório da palestra com um livro que ele comenta em um de seus ótimos textos publicados no Estadão... Faulkner, que não acredito ter maturidade literária para ler ainda... Acho que você fez um caminho bacana, começando por "Cinzas", também comecei por ai, depois fui para "Relatos", que me cativou e é meu favorito, se se pode dizer assim. "Dois irmãos" e toda a densidade narrativa também te prenderão e transportarão para a umidade quente daquela Manaus de perdição,-como diz o Milton-, e para as arguras desses irmãos que não se dão... "Órfãos" é maravilhoso, mas não te pega tanto quanto os outros...e "Cidade ilhada" tem contos pra guardar na memória e citar personagens! Espero que você percorra todos os livros desse escritor contemporâneo, que vale mesmo a pena ler, por se tratar também de um cara que têm ideias muito boas sobre a condição e as relações humanas... e desculpe aqui a fã empolgada,rs.abraço!
ResponderExcluirObrigado pelas recomendações, Nicole. Pode ter certeza de que a obra completa estará em minha estante o quanto antes.
ExcluirAbraço.
Adoro dicas de bons livros, bons autores. Nunca tinha ouvido falar dele, mas já estou incluindo na minha lista de livros para ler...Também leio em qualquer lugar, no ônibus tive de fazer uma adaptção, ler um pequeno trecho, parar para refletir, para evitar enjôo....Se bem que normalmente leio desse jeito, em casos de livros mais difíceis, com uma escrita melhor, mais elaborada....abraços.....Carlos Medeiros.....http://grandeonda.blogspot.com
ResponderExcluirok, fiquei com inveja "boa"; ando de motoca e ~brado~ aos 4 ventos como é boa essa liberdade... mas lendo seu texto lembrei de um tempo atrás que eu tb pegava um trajeto de onibus pra um estagio.. e nesse meio tempo (1h, 1h30 de viagem) eu lia aqueles livros de rpg... rsrsrs, os romances que saíram dos clãs, enfim... e lembro que viajava nisso, que ÀS VEZES so depende de vc arrumar O QUE FAZER com um certo tempo que vc poderia ta so olhando pela janela (não que não seja massa, mas é mais jogo ler), ENFIM, esse tema ai do regime militar muito me agrada, ja saqueis uns nacionais... e se vc disse que vale a a pena, vo atrás aqui. abráááço.
ResponderExcluirPor diversas vezes, me surpreendo pensando em qual escritor depositarei meu precioso tempo,tendo em mãos uma dica preciosa como esta,confesso que fica muito mais fácil.
ResponderExcluirPreciso criar mais tempo para por as leituras em ordem.Boa pedida.Abraço de leitor frequente.:-BYJOTAN.