domingo, 9 de setembro de 2012

Jesus Kid e a prostituição intelectual

Jesus Kid é uma ferrenha, intensa e inteligente crítica de Lourenço Mutarelli ao mercado editorial. Com uma prosa rápida e contundente e diálogos ágeis e ácidos que muito lembram os filmes de Tarantino (como o próprio Mutarelli faz questão de mencionar por meio de sua personagem central), o romancista conta a história de Eugênio, um escritor que é obrigado a ficar trancafiado em um hotel por três meses, com a missão de escrever uma história que viraria roteiro para o cinema.

De início, uma missão fácil. Mas, conforme os dias vão se arrastando, o protagonista descobre que criar algo sob encomenda não é das tarefas mais fáceis a serem feitas. Mutarelli mostra um escritor às voltas com sua personagem criada anteriormente, Jesus Kid, que enfraquece conforme sua prostituição intelectual fica mais evidente. Eugênio é um escritor de livros pulp, do gênero western, que são vendidos em bancas de jornais. Ou seja, seu ganha-pão, até então.

A paixão por fazer uma literatura considerada de baixo nível (que, apesar dos pífios rendimentos, realizava-o como artista) é colocada de lado quando lhe oferecem trinta mil reais para que fizesse o tal roteiro. A partir daí, o escritor passa a conviver com todos os personagens que habitam o seu imaginário, em uma louca sucessão de situações surreais e mirabolantes, que fazem o leitor mergulhar em um universo onde realidade e ficção se confundem. 

Com maestria, Mutarelli toca em um assunto que, vira e mexe, vem à tona, na maioria das vezes protagonizado por escritores de personalidade forte e que não desistem de seus ideais por dinheiro, como o britânico Alan Moore. O argumentista inglês não deu seu aval a nenhuma das suas obras que foram adaptadas para o cinema (como Watchmen, A Liga Extraordinária e  V de Vingança) e também se demonstrou extremamente irritado com a decisão da DC Comics (dona do material por ele criado) de lançar a série Before Watchmen.

Em Jesus Kid, essa questão também é levantada, quando, por conta das baixas vendagens, a editora que detém os direitos sobre o pseudônimo (Paul Gentleman) e a personagem criados por Eugênio, pede para que outro escritor tome para si tais elementos e escreva uma história diferente do que vinha sendo criado, para que o caixa volte a engordar.

Até que nível um artista deve descer para que suas ideias sejam compradas e dinheiro possa ser gerado? Sem dúvida, dividendos devem ser obtidos para que seja possível sobreviver em uma sociedade capitalista como a nossa. Mas o quão obsceno pode ser a venda de ideias e ideologias? Será que a consciência criativa de um artista suporta tamanha contradição?

Para aqueles que se preocupam com tais questões, Jesus Kid é leitura obrigatória.

3 comentários:

  1. muito boa a resenha, fiquei curiosa, parabens, bem ~profundo~ (sério). parabens pelo blog :)

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  2. Boa resenha, agora quero mesmo ler Jesus Kid - apesar de alguns trabalhos recentes (e até premiados) do Mutarelli tenham ocasionado em perda de parte do interesse que eu nutria por ele. Sobre a prostituição a que nos submetemos para sobreviver(escrevi sobre isso recentemente, em uma resenha sobre Pagando por Sexo, do Chester Brown), principalmente quando se trata de trabalhos artísticos, é algo que muito me preocupa. Principalmente no trabalho de escritora e na tentativa de tornar a atividade um pouco lucrativa.

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  3. ai gzuis, outro livro pra lista, agora são 14...

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